Reitor ainda é alvo enquanto delegada não responde por abuso

Passados dois meses da prisão do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier de Olivo e 48 dias do seu suicídio, as informações comprovadamente inverídicas do anúncio da Polícia Federal sobre o seu envolvimento na Operação Ouvidos Moucos permanecem inalteradas nas páginas oficiais do órgão. A mesma postagem que levou ao linchamento moral e midiático do reitor continua no dia de hoje (19/11) alimentando julgamentos e informações equivocados nas redes sociais e nos meios de comunicação.

ma representação contra a delegada da Superintendência da Polícia Federal em Santa Catarina, Érika Mialik Marena, foi protocolada e entregue ao ministro da Justiça e Segurança Torquato Jardim, no dia 31 de outubro, pelo irmão Acioli, em nome do irmão Júlio e do filho do reitor, Mikhail Vieira Cancellier de Olivo, mas até agora os advogados da família não obtiveram qualquer resposta. A denúncia requer a abertura de procedimento investigativo para “apurar com rigor responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada pelos abusos e excessos cometidos no trágico desfecho e prevenir a ocorrência de novos episódios”.

Na postagem do dia 14 de setembro, a Polícia Federal anuncia que estava deflagrando uma batida no Brasil, com a prisão de sete integrantes da UFSC (incluindo o reitor), como suspeitos pelo desvio de verbas de R$ 80 milhões do Ensino a Distância dentro da autodenominada “Operação Ouvidos Moucos”.

Essas informações induziram a mídia e seus leitores a tomarem a verba total repassada pela Capes ao Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) e aplicada em cursos, projetos e bolsas do Ensino a Distância no período de dez anos como o valor de recursos sob suspeita de desvio. No entanto, o valor investigado está, conforme amplamente esclarecido no dia seguinte pela universidade e reconhecido pela própria juíza Janaína Cassol, restrito a duas listagens de valores das bolsas supostamente transferidos indevidamente, uma no montante de R$ 300 mil e outra de R$ 200 mil. O valor sob suspeição não passa, portanto, de R$ 500 mil.

Na representação, os familiares denunciam que no dia da deflagração da operação a delegada convocou coletiva de imprensa e deu entrevista ao vivo, divulgada pelo canal do Youtube da Polícia Federal para “denunciar” o suposto desvio de mais de 80 milhões de reais na UFSC, “antes mesmo de concluir a oitiva de Luiz, que durou mais de 5 (cinco) torturantes horas”.

Essa informação oficial, seja na coletiva ou nas páginas do órgão, foi decisiva para o julgamento público que defenestrou a reputação pública de Cancellier, conforme argumenta o pedido de inquérito. Durante o velório do professor, no dia 2 de outubro, uma universitária deu a maior prova disso, ao interromper a cerimônia fúnebre para esmurrar o caixão em frente aos familiares e amigos ainda compungidos de dor gritando: “Ladrão, ladrão, devolva os R$ 80 milhões que roubou da universidade!”

O documento mostra que as postagens e a entrevista coletiva da Polícia Federal no dia da prisão produziram uma segunda distorção, igualmente grave e incriminadora: a de que Cancellier, jornalista por profissão, graduado, mestre e doutor em Ciências Jurídicas, e professor de Direito Administrativo, havia sido indiciado por envolvimento nas suspeitas de desvio. (Veja aqui a coletiva convocada pela delegada da PF e publicada no seu canal do Youtube: http://(https://www.youtube.com/watch?v=n8nIa-NKcVU&feature=youtu.be)

Veículos de comunicação que tomaram esses dados oficiais como verídicos e definitivos, sem ouvir o contraditório, tiveram que esclarecer na sequência que o reitor não era indiciado, nem sequer citado nas investigações da operação que apurava possíveis desvios praticados num período de seis anos atrás, fora, portanto da sua administração, iniciada em maio de 2016. Conforme foi retificado na sequência pela Reitoria da UFSC e pela juíza, a prisão se referia à denúncia de tentativa de interdição das investigações da Polícia Federal, levantada pelo titular da Corregedoria Geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, hoje afastado para licença de saúde de 61 dias. O processo da operação foi avocado pela Corregedoria Geral da União, que também responde pelo pedido de investigação da sua conduta, encaminhado pela reitoria da UFSC.

A arguição mostra que a delegada extrapolou suas funções institucionais, acolhendo sem o menor cuidado denúncia infundada de um declarado desafeto político do reitor, contra o qual fez diversos pronunciamentos na imprensa local, inclusive o acusando de redução salarial. Soube-se mais tarde que o corregedor, ao contrário de Cancellier, não era mais um homem público de ficha limpa desde 2013. No momento em que fez a acusação, Hickel respondia a seis processos na justiça envolvendo crime de trânsito contra a coletividade, com tentativa de carteiraço e crime de calúnia e difamação com abuso de autoridade, pelo qual foi condenado na instância cível e penal. Além disso, respondeu a duas ações de indenização movidas pela ex-mulher e ex-noiva por tortura psicológica e física, conforme reportagem investigativa publicada pelos Jornalistas livres em 30 de outubro.

ttps://jornalistaslivres.org/2017/10/exclusivo-corregedor-que-denunciou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/

O primeiro a observar a permanência da notícia caluniosa foi o próprio irmão do reitor, Acioli Cancellier de Olivo, engenheiro aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do MCTI em São José dos Campos, provocado pela insistência do erro de alguns veículos de imprensa, mesmo depois de amplamente corrigidos. A postagem da PF, que consta da representação da família, foi printada pelos denunciantes no dia 31 de outubro, com 789 curtidas e 159 compartilhamentos. Chama atenção o grau de ódio, proporcional ao grau de desinformação dos comentários:

VERA TRANCOSO: “PARABÉNS, GUERREIROS, VOCÊS SÃO OS HERÓIS DESTA NAÇÃO, PENA QUE NÃO HÁ LEIS SEVERAS PARA ELES E NEM CADEIAS COMUNS PARA PAGAR AS PUNIÇÕES, ABRAÇOS”.

SELMA CABULON: “PARABÉNS PF. O POVO SÓ PODE CONTAR COM VCS PRA ACABAR COM ESSE BANDO DE CORRUPTOS SEM VERGONHA O BRASIL NÃO TOLERA MAIS ISSO CHEGA E ENQUANTO ISSO O POVO MORRE POR FALTA DE RECURSOS”.

Acompanhados sempre da hashtag de cunho promocional #EuconfionaPF, o texto das postagens da PF começa com o número de agentes mobilizados pela operação: “105 policiais federais para cumprir 16 mandados de busca e apreensão, 7 de prisão temporária e 5 de condução coercitiva, além do afastamento de 7 pessoas de funções públicas que exercem”. Informa ainda que a Operação Ouvidos Moucos, também sempre citada em formato de hashtag, “contou com o apoio do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União – CGU e do Tribunal de Contas da União – TCU para desarticular organização criminosa que desviou recursos para curso de Educação a Distância (EaD) da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC”. O texto é assinado também por hashtags promocionais da PF #euconfionapf e #issoaquiépf. Abaixo do texto da campanha com a manchete sobreposta e acesa por detalhes em amarelo: #OpOuvidosMoucos

Combate desvio de mais de R$ 80 milhões de recursos para EaD

Com base nessas afirmações, o reitor foi acusado de ser o chefe da quadrilha e a UFSC, uma universidade com largo renome no país, um antro de corrupção, de acordo com o próprio desabafo que ele assinou , em artigo publicado em 28 de setembro, no jornal O Globo, quatro dias antes do suicídio.

“A HUMILHAÇÃO E O VEXAME A QUE FOMOS SUBMETIDOS — EU E OUTROS COLEGAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) — HÁ UMA SEMANA NÃO TEM PRECEDENTES NA HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO. NO MESMO PERÍODO EM QUE FOMOS PRESOS, LEVADOS AO COMPLEXO PENITENCIÁRIO, DESPIDOS DE NOSSAS VESTES E ENCARCERADOS, PARADOXALMENTE A UNIVERSIDADE QUE COMANDO DESDE MAIO DE 2016 FOI RECONHECIDA COMO A SEXTA MELHOR INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO SUPERIOR BRASILEIRA… NOS ÚLTIMOS DIAS TIVEMOS NOSSAS VIDAS DEVASSADAS E NOSSA HONRA ASSOCIADA A UMA “QUADRILHA”, ACUSADA DE DESVIAR R$ 80 MILHÕES. E IMPEDIDOS, MESMO APÓS LIBERTADOS, DE ENTRAR NA UNIVERSIDADE.”

TTPS://OGLOBO.GLOBO.COM/OPINIAO/REITOR-EXILADO-21879420

Em busca da uma informação atualizada ou revisada em outros canais da Polícia Federal, encontramos no seu site oficial, o release sobre a operação, com as seguintes afirmações comprometedoras:

“As investigações começaram a partir de suspeitas de desvio no uso de recursos públicos em cursos de Educação à Distância oferecidos pelo programa Universidade Aberta do Brasil – UAB na UFSC. A operação policial tem como foco repasses que totalizam cerca de R$ 80 milhões. Foi identificado que docentes da UFSC, empresários e funcionários de instituições e fundações parceiras teriam atuado para o desvio de bolsas e verbas de custeio por meio de concessão de benefícios a pessoas sem qualquer vínculo com a Universidade. O programa UAB foi instituído em 2006 pelo Governo Federal com o objetivo de capacitar prioritariamente professores da rede pública de ensino em regiões afastadas e carentes do interior do país”.

Por Raquel Wandelli Do Jornalistas Livres (Revista GGN)