Drama – Brasileiros se formam em medicina no exterior, mas não conseguem trabalhar no Brasil

RIO – A cada ano cresce o número de jovens brasileiros que estudam medicina em universidades de países vizinhos, onde a mensalidade é mais barata, mas, na volta ao Brasil, não conseguem registro para trabalhar. Na classe de uma faculdade de medicina na Bolívia em dia de prova, apenas um aluno era boliviano. Todos os outros eram brasileiros.

“É bem mais fácil, a gente não tem vestibular. A gente vai pagar, mais ou menos, seis vezes menos do que se pagaria no Brasil (Pedro Adler)”

– Só na minha faculdade, podemos falar em seis mil estudantes brasileiros em Cochabamba, Santa Cruz e Cobija – afirma o vice-reitor da Universidad Técnica Cosmos (Unitepc), José Teddy.

Por que tanta gente está estudando medicina fora do Brasil? A resposta está na ponta da língua de todo aluno.

– É bem mais fácil, a gente não tem vestibular. A gente vai pagar, mais ou menos, seis vezes menos do que se pagaria no Brasil – afirma Pedro Adler, esutdante acreano.

As mensalidades dos cursos de medicina privados no Brasil variam de R$ 2,5 mil a R$ 6 mil. Em uma faculdade de Cobija, fronteira da Bolívia com o Brasil, custa pouco mais de R$ 500.

– Meus pais não têm condições financeiras de pagar e nem para me ajudar. Se eu tivesse condições, provavelmente eu estaria fazendo no Brasil. Eu sempre quis fazer medicina, acho que desde que eu me entendo por gente. Então, eu decidi vir para cá – conta Antônia Maria Cândido, estudante acreana.

O Brasil é o segundo país com maior número de escolas de medicina, só perde para a Índia. No Brasil, são 180 faculdades de medicina, todas com vestibular.

Ter um diploma estrangeiro de médico não dá o direito de exercer a profissão no Brasil. Não importa se o curso foi na Bolívia ou na Suíça, é preciso passar por uma revalidação de diploma, um processo longo, difícil e caro.

– Tem prova, viagem, o que eu estou gastando com advogado que está assessorando, que tem um valor, o valor da faculdade, o valor da moradia aqui – declara André de Almeida, formado no Paraguai.

Em uma faculdade particular, em Caratinga, Minas Gerais, os recém-formados fazem um curso de complementação, de aulas que não tiveram no exterior. Há ainda as provas que, pelas regras atuais, só podem ser dadas por universidades federais. O índice de aprovação costuma ser baixíssimo. Em quatro federais que recentemente receberam entre 200 e 400 inscritos cada, nenhum foi aprovado. Na Federal de Minas Gerais, no ano passado, de 100 inscritos, apenas 11 conseguiram passar na prova.

“As provas têm um nível superior ao de um graduando. São provas para especialistas (Diógenes Freire)”

– Eu já fiz a prova várias vezes. E, muitas vezes, foram injustas as provas. As provas têm um nível superior ao de um graduando. São provas para especialistas. Eu acho injusto o processo de revalidação de diploma no Brasil – aponta Diógenes Freire, formado na Bolívia.

Com o número de formados fora do Brasil aumentando e, junto com ele, as reclamações de que o sistema de revalidação dos diplomas é injusto, o governo decidiu fazer uma prova em Brasília no ano passado. Mas, novamente, houve reprovação em massa: 628 inscritos e apenas dois aprovados.

– O número alto de reprovações se deveu a dois motivos. Em primeiro lugar, candidatos que tinham um preparo inadequado, e em segundo lugar houve um exagero na nota de corte, na nota mínima para a aprovação – comenta o secretário do Ministério da Saúde, Milton de Arruda Martins.

Para este ano, o governo promete a implantação de um novo sistema: uma prova única, aplicada em vários pontos do Brasil. “Ele vai ter um nível adequado para a avaliação se o médico tem condição de atender à população. Existem médicos que vêm do exterior com uma formação muito boa e médicos com uma formação muito fraca”, afirma o secretário do Ministério da Saúde.

– Tem que ter um critério de avaliação, porque nós fomos lá fora e eles não sabem o que nós demos lá. Eu sei, mas as pessoas não sabem – diz Lindalva Lacerda Lessa, formada na Bolívia.

O doutor Edson Braga Rodrigues se formou na Bolívia.

– Passei dois anos, praticamente dois anos sem CRM, sem poder exercer porque não tinha CRM – conta.

Ele fez a prova de revalidação em três universidades federais e passou na última. Hoje, é diretor clínico do Hospital de Brasiléia.

– Eu acredito que a formação depende de cada um. A oportunidade dos jovens mais carentes terem uma formação em medicina é essa, é procurar as faculdades da América Latina. O meu caso é um. Eu não teria condições de me formar no Brasil – revela Dr. Edson.

“Eu acredito que a formação depende de cada um. A oportunidade dos jovens mais carentes terem uma formação em medicina é essa (Edson)”

Só com o diploma revalidado, é possível conseguir o CRM, o registro em um dos conselhos regionais de medicina, que permite o exercício da profissão no Brasil.

– Quando você está estudando, tudo é um sonho, tudo é alegria, tudo é bonito. Você está estudando medicina – afirma um homem, formado em medicina na Bolívia, que tenta há dois anos revalidar seu diploma. Para pagar os custos das várias tentativas, dá plantões em hospitais no interior da Bahia, clandestinamente.

Para assinar receitas, atestados, o homem usa um CRM falso.

– Você entra no site do Conselho Regional de Medicina, você vai procurar um médico que tenha mais ou menos a sua idade. Esse é o grande problema, porque você pode ser preso, primeiro, por ser falso médico, e segundo por falsidade ideológica – declara.

Nos últimos anos, a polícia prendeu médicos sem CRM nos estados do Pará, Amazonas, Acre, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Sergipe, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.

No início do ano passado, Edilson Bezerra da Silva, de 29 anos, foi preso no pronto-socorro de Ponta Grossa, no Paraná. Com diploma boliviano, ele usava o CRM de um médico de Curitiba.

– Ele está respondendo pelo exercício ilegal da medicina e pela falsidade ideológica – declarou o delegado Jairo Luiz Duarte Camargo.