CRES 2018 – Educação superior não pode ser percebida como privilégio; é um direito

Declaração final da CRES 2018 reafirma o compromisso com a educação como direito humano universal, bem público e um dever do Estado

O reitor da Universidade Nacional de Córdoba (UNC) e presidente do Conselho Interuniversitário Nacional (CIN) da Argentina, Hugo Juri, fez a leitura da Declaração Final da III Conferência Regional de Educação Superior para a América Latina e Caribe (CRES 2018). A apresentação aconteceu durante a cerimônia de encerramento da Conferência, realizada no final da tarde desta quinta-feira, em Córdoba.

Juri estava ao lado do coordenador geral da CRES, Francisco Tamarit, e do diretor do Instituto Internacional da UNESCO para a Educação Superior na América Latina e Caribe (Iesalc) e coordenador da Conferência, Pedro Henríquez Guajardo. Os dois apresentaram, alternadamente, os princípios dos sete eixos temáticos da Conferência.

O documento final da CRES 2018 é uma espécie de carta de princípios e nela estão contidos as ideias e valores a serem defendidos e praticados pelas universidades e instituições de ensino superior públicas da América Latina e Caribe. A declaração também apresenta as responsabilidades e compromissos a serem assumidos pelas instituições de ensino e governos.

Francisco Tamarit, coordenador geral da CRES 2018, informou que além da Declaração Final outros dois documentos serão produzidos. O primeiro vai trazer as recomendações da CRES, uma espécie de plano de ação, e o segundo as proposições reunidas ao longo de toda a Conferência. De acordo com Tamarit, foram recebidas mais de 400 recomendações. “As críticas e contribuições são muito bem-vindas. A CRES é democrática. Creio que demonstramos ao longo desses dias o quanto à participação é parte da vocação desta Conferência. Temos demonstrado que é preciso abandonar o mito da iluminação acadêmica”, afirmou Guajardo.

Educação como direito

Disponível no site da CRES 2018, a declaração final reafirma o postulado da educação superior como direito humano universal, bem público e um dever do Estado e alerta que a educação superior tem sido percebida como privilégio e não direito.

A declaração reconhece que avanços têm sido conquistados, mas alerta que um setor importante da comunidade se encontra sem acesso a direitos básicos – água potável, saúde e educação, alertando que milhões de crianças, jovens e idosos da América Latina e Caribe vivem em estado de exclusão.

O documento destaca que a internacionalização e a visão mercantilista têm afetado o direito social à educação e convoca a região para rever e reverter esta situação. A declaração determina que se estabeleça o acompanhamento rigoroso para a oferta da educação em todos os níveis, reiterando que os Estados têm que adotar instrumentos de regulação das instituições públicas e privadas, promovendo o acesso universal, permanência e titulação, com inclusão e pertinência.

Gratuidade e autonomia

Os princípios da gratuidade de ensino e da autonomia universitária também são reiterados pela Declaração Final da CRES 2018. O documento reafirma que as instituições de ensino superior devem se abrir e promover um diálogo de saberes, interagindo e reconhecendo com outros atores e formas de produção do conhecimento da sociedade.

A declaração final da CRES 2018 reconhece que as diferenças econômicas, tecnológicas e sociais entre as regiões Norte e Sul têm aumentado, que o livre intercâmbio entre mercadorias tem prosperado e esse cenário amplia as desigualdades, afetando ainda mais as comunidades mais pobres de toda a região.

Igualdade e protagonismo

O documento conclama as universidades e instituições de ensino superior a se repensarem, seguindo os princípios da Reforma Universitária de Córdoba, tornando-se cada vez mais democráticas, a assumirem efetivamente o papel de protagonistas na transformação social, atuando para construir sociedades igualitárias, plurais e inclusivas.

A declaração chama atenção para a desigualdade de gênero, destacando que as mulheres precisam ser valorizadas e reconhecidas como sujeitos de direito, inclusive dentro das próprias universidades e instituições de ensino superior. Há também um questionamento e uma convocação para que as instituições reflitam sobre como elas estão contribuindo para transformar a sociedade, para promover o livre debate, a igualdade, o respeito humano, a luta contra as arbitrariedades e a defesa incondicional da democracia. A declaração afirma que as instituições precisam ser e estar comprometidas com a transformação social.

Materialidade das recomendações

Para a docente Giovana Reis, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e representante do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), o documento incorporou uma série de preocupações que os sindicalistas têm em relação à manutenção da defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade social, inclusiva. “Na minha avaliação, o resultado final da CRES foi positivo. Para nós, do Brasil, o documento é até melhor do que esperávamos. Ele incorporou preocupações do movimento sindical e também das administrações das universidades”, destaca.

Vanessa Ishikawa Rasoto, vice-reitora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), considera que a Declaração Final da CRES 2018 é um “marco histórico”. Ela destaca, contudo, que é preciso assegurar materialidade ao documento. “Espero realmente que consigamos trabalhar com união e paz para poder oportunizar o desenvolvimento econômico e social da América Latina e Caribe. Este documento vem na hora certa, mas é necessário que ele se transforme, de fato, em política pública, sobretudo no Brasil”, ressalta a dirigente.

O trabalho de sistematização das propostas apresentadas ao longo da CRES 2018 deve ser concluído em dois ou três meses. E, ao final, deve ser convocada uma reunião do Conselho de Reitores da América Latina e Caribe para referendar o documento e transformar as recomendações em planos de ação concretos.

Para o reitor da UNC, é necessário que a CRES não se encerre com o término da Conferência. “É preciso que tenhamos atividades do pós-CRES. A Conferência não pode ser uma foto, mas tem que ser um filme da educação superior na América Latina e Caribe”.