Estudantes de medicina que se formaram no exterior revalidarão diploma

 

No interior de Roraima, apenas um médico é responsável pelo cuidado da saúde de 10.306 habitantes — a região concentra o menor número de profissionais do país, proporcionalmente à população. A realidade do abandono verificada no Norte convive, no entanto, com uma contradição: mais de 600 brasileiros graduados em medicina não estão aptos a exercer a profissão no Brasil. São pessoas que conquistaram o título de graduação no exterior, mas não têm o diploma revalidado no seu país de origem. Até agora, a única opção dos médicos formados fora do Brasil era requisitar a revalidação — pré-requisito para a conquista do registro profissional — em uma universidade pública brasileira que oferece o curso. Esta, por sua vez, tem a liberdade de definir quando realizar o processo de avaliação e quanto cobrar por ele, que também pode ser diverso entre as instituições. A novidade, oferecida a partir de uma portaria interministerial dos ministérios da Educação e da Saúde, é um exame nacional para avaliação desses graduados. Ontem, 502 candidatos ao exame tiveram que efetivar a sua participação na seleção, marcada para o próximo dia 24.

Dos 628 inscritos no exame, 126 foram recusados por não cumprir requisitos básicos, como ter concluído uma graduação com carga horária mínima de 7.200 horas, das quais 35% desta deve ter sido destinada a treinamento em serviço/internato. O projeto piloto, porém, já causa polêmica antes mesmo de ser consagrado. Uma graduada na Argentina em 2004, desclassificada da seleção, por exemplo, conta que achou o impedimento injusto. “Informaram que eu não posso fazer as provas por não ter cumprido a carga de internato. Acontece que a universidade brasileira que negou meu pedido foi justamente onde eu fiz a maior parte do internato, a parte prática do curso, apesar de a graduação, como um todo, ter sido feita fora do país”, afirma a moça, que pediu para não ter o nome divulgado. De acordo com a nova possibilidade de revalidação, o médico deve escolher uma universidade que aderiu ao projeto para obter o diploma — atualmente, 24. A Universidade Federal do Ceará (UFC) foi a que recebeu o maior número de inscritos (99), seguida da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com 52; e da Universidade Federal do Acre (Ufac), com 48. Dos candidatos que tiveram a inscrição homologada, a maioria estudou na Bolívia (237) ou em Cuba (154).

Para o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, a implantação do exame nacional é positiva em todos os aspectos. “O fator fundamental para a aplicação desse projeto é a falta de uma oferta sistemática, justa e equânime. A falta dessa oferta, que agora deverá ser anual e padronizada, dá brechas para que apareçam propostas inaceitáveis de validação automática de diplomas”, aponta. Um outro fator mais crítico em relação à falta de unidade dos processos de avaliação diz respeito ao custo — segundo denúncias, enquanto algumas universidades não cobram taxa alguma, outras chegam ao valor de R$ 5 mil por diploma.

A médica formada na Argentina conta que, desde que voltou ao Brasil para exercer a profissão, já teve um gasto de mais de R$ 20 mil para ter a revalidação do seu diploma, sem sucesso. Na tentativa de conquistar o documento, a médica participou de processos em quatro universidades. No fim do ano, ela espera se formar em três cursos complementares exigidos pela Universidade Federal de Santa Catarina e obter o diploma. “Tive que fazer os cursos em uma universidade particular, e eles estão em custando R$ 16 mil. Nessa luta, eu já tive que vender meu carro e deixar meu filho com familiares por quatro meses. Eu já fui enganada por uma advogada que me cobrou R$ 3 mil, e também já fui enganada por universidades que não publicaram editais do exame de avaliação. Tudo isso para ter o direito de trabalhar no meu próprio país, onde mora minha família”, desabafa.