Estudo analisa predisposição da população de Juiz de Fora à dengue grave

Pesquisadores verificam casos de risco e a possibilidade de mutação no vírus para explicar epidemia

Somente em 2016, a Secretaria de Saúde de Juiz de Fora confirmou que aproximadamente 3.740 pessoas estão sob suspeita de dengue. Em estado de emergência, declarado pela Prefeitura em janeiro, a cidade acumula o maior número de morte pela doença no estado de Minas Gerais: são oito mortes confirmadas e uma nona está em investigação. Para reverter o quadro de epidemia, a ciência é forte aliada: pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (ICB/UFJF) se dedicam a investigar as ocorrências de dengue na cidade e região, focados em determinar quais fatores podem levar as pessoas a contrair o tipo grave da doença.

Coordenado pela professora Betânia Drumond, o estudo, intitulado “Levantamento de fatores predisponentes à dengue grave em Juiz de Fora”, coletou 400 amostras de sangue de pacientes. Os dados colhidos até agora, ainda parciais, levantam hipóteses preocupantes, como a influência de um histórico com alta incidência de dengue promover o aumento do número de casos graves da doença.

O material foi analisado, isolando o DNA, para determinar se havia mutações no material genético que facilitassem a ocorrência de casos graves da dengue.

Além disso, foi separado o soro do sangue para verificar se os pacientes já haviam tido a doença. O projeto, com a conclusão programada para o fim deste ano, também vem sendo desenvolvido por outros grupos de pesquisadores em Alfenas, Ouro Branco, Divinópolis e Ouro Preto.

Betânia é doutora em Microbiologia pela UFMG e há 16 anos dedica-se à pesquisa no campo da virologia e epidemiologia. Sua experiência na área inclui pós-doutorado no Centro de Pesquisa René Rachou-Fiocruz e a publicação de diversos artigos sobre epidemias de dengue no Brasil.

 

Quando a população está mais suscetível?

A dengue é uma doença endêmica em regiões tropicais, principalmente nos períodos chuvosos e quentes, e infecciosa, sendo causada por um flavivírus, o vírus da dengue. Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o vírus se divide em quatro tipos diferentes (DEN1, DEN2, DEN3 e DEN4), que, mesmo sendo geneticamente diferentes, podem causar os mesmos sintomas. Pesquisas atuais atestam que um indivíduo pode ser infectado até quatro vezes ao longo da vida e o mesmo organismo pode se tornar imune a um dos tipos (DEN1, por exemplo) e continuar vulnerável aos demais.

Uma hipótese para explicar a ocorrência de casos graves de dengue, que está sendo testada no projeto, aponta que essa infecção prévia pode, ainda, facilitar a ocorrência de casos graves da doença. “Por exemplo, os anticorpos gerados pelo organismo diante da infecção pelo DEN1 podem se ligar ao vírus DEN2, facilitando ou mesmo aumentando a infecção de células da pessoa infectada, o que pode favorecer o quadro grave da doença”, explica a coordenadora do projeto.

Assim, em uma comunidade com histórico de epidemias de dengue onde circulam mais de um tipo do vírus, a população poderia estar mais suscetível a ocorrências de casos de dengue grave. Em Juiz de Fora, já foi constatada a presença dos tipos DEN1 e DEN2. “Não existem ainda estatísticas do número de pacientes com quadros graves, mas o que temos percebido com nossos colaboradores é um aumento desses casos”, afirma a professora. “No momento, o projeto está focado em pacientes com quadros graves. Estamos buscando identificar as causas, verificar se houve mutação no vírus que explique o aumento de casos”.

Outro fator para o agravamento da infecção é a predisposição genética do hospedeiro, uma vez que existem polimorfismos (pequenas mutações em genes específicos do DNA dos pacientes) que podem facilitar ou dificultar a infecção pelo vírus da dengue. “Algumas pessoas têm predisposição genética a uma resposta exacerbada do sistema imune, por exemplo. Com a interferência do vírus, essa resposta pode sair do controle, causando danos ao paciente”, aponta Betânia.

No entanto, nenhum desses fatores é determinante para o desenvolvimento ou agravamento da doença, de acordo com a pesquisadora. “Não necessariamente uma segunda infecção pelo vírus da dengue vai evoluir para um caso grave, da mesma forma que é possível ter quadro grave já na primeira infecção. O polimorfismo no DNA do paciente também não significa que ele fatalmente terá o quadro grave”.

 

Estratégia do Governo ainda não basta

De acordo com o último Boletim Epidemiológico da Dengue, divulgado em dezembro pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, foram confirmados 148.123 casos da doença em Minas ao longo de 2015, número três vezes maior que o registrado em 2014. Juiz de Fora registrou, em uma semana, 1.187 notificações de dengue, número maior do que registrado durante todo o ano de 2014. Diante do surto da doença, o Governo do estado anunciou, também em dezembro, a liberação de um orçamento de R$ 30 milhões destinado a aprimorar a ação dos municípios em medidas de combate a epidemia e de assistência a população.

A Prefeitura de Juiz de Fora, por sua vez, anunciou em 20 de fevereiro a criação de um plano de contingência contra as doenças transmitidas peloAedes aegypti, do qual participarão diversas pastas do Governo Municipal de forma integrada.

No entanto, a pesquisadora Betânia Drumond avalia: “A forma de combate a doença que nós temos hoje é a vigilância entomológica. A estratégia que o Governo vem utilizando, há muitos anos, de fazer campanhas na televisão, mostrando como eliminar os focos do mosquito, isso só não basta. O Brasil já  chegou a erradicar  a dengue e a febre Amarela, com uma campanha muito pesada do Oswaldo Cruz, baseada em controle entomológico, ou seja, o controle do mosquito vetor. É necessário aumentar o número de equipes capacitadas, fazendo visitas nas casas, para eliminar os focos do mosquito e também que a população participe sempre e ativamente na eliminação dos focos do mosquito.”

Diretoria de Comunicação – Universidade Federal de Juiz de Fora