Expansão de Fies e ProUni não fez matrículas acelerarem em universidades particulares

O governo federal tem aumentado cada vez mais sua participação no ensino superior privado por meio, principalmente, do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Por causa desses e de outros programas, o número de alunos de instituições particulares que recebem algum tipo de apoio financieiro – desde auxílio para compras de livros até bolsa integral – já chega a 47% do total, de acordo números de uma tabulação feita pelo sociólogo Simon Schwartzman em estudo que analisou os desafios da educação superior. O crescimento da participação estatal nas universidades particulares, no entanto, ainda não foi capaz de acelerar o ritmo de criação de matrículas, nem melhorar as taxas de conclusão de alunos.

O Fies voltou a ganhar destaque após um anúncio de mudança de regras promovido pelo Ministério da Educação (MEC) neste ano. A decisão estipulava uma nota mínima de 450 pontos no ENEM para poder ser beneficiário e novas datas de restituições às universidades, o que trouxe instabilidade para as empresas. Uma semana depois de serem anunciadas, as quatro principais corporações do segmento, juntas, perderam R$ 7 bilhões em valor de mercado na BM&FBovespa, num sinal do quanto o setor está cada vez mais dependendo de verba estatal.

O Fies foi turbinado pelo atual do governo em 2010, quando passou a cobrar juros mais baixos dos alunos e flexibilizou regras de pagamento e de exigência de fiador. Nos seus primeiros quatro anos de existência, teve um aumento de 735% e o custo do governo com o programa foi multiplicado em 17 vezes nos últimos cinco anos, de R$ 810 milhões em 2010 para R$ 13,75 bilhões, em 2014.

No entanto, as matrículas nos quatro anos antes do Fies cresceram em 21,9%. Já nos quatro anos após a criação do programa, a variação foi menor: 13,4%. Os melhores dados verificados após a mudança são o de número de ingressantes, que cresceu significativamente. Isso, porém, ainda não se traduziu em mais alunos se formando. Pelo contrário, o número de concluintes do setor ficou praticamente estagnado desde 2010, uma sinalização de que muitos alunos estão entrando, mas poucos se formando. Além de ainda não estar trazendo os resultados esperados, uma das dúvidas sobre o Fies é se ele será viável financeiramente.

– O risco de inadimplência do Fies é muito alto. Como o programa é relativamente recente no atual formato, ainda não houve tempo para saber se os empréstimos estão sendo pagos. Um número muito grande de estudantes abandona antes de terminar e nunca consegui saber qual é a regra de ressarcimento nestes casos – diz o sociólogo Simon Schwartzman.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação, responsável pelo programa, procurado pelo GLOBO, não respondeu sobre as regras de ressarcimento em caso de abandono.

A grande transformação do Fies ocorreu em 2010 quando uma série de regras trouxe um afrouxamento no modelo e gerou uma espécie de incentivo a “estatização” do ensino privado devido a grande quantidade de dinheiro público presente nas instituições. Entre as medidas, houve uma flexibilização na exigência de fiadores; uma redução de juros que chegavam a até 9% para 3,4%; ampliação do tempo para a quitação, que passou a ser de três vezes a duração do curso; e o financiamento passou a poder ser requisitado em qualquer época do ano. Além disso, desde o ano passado, o financiamento estudantil ficou condicionado a um fundo criado pelo governo e gerido pelo Branco do Brasil.

Segundo o próprio site do Fies, o fundo “elimina a necessidade de apresentação de fiador para os estudantes e “garante até 90% do risco de inadimplência para as mantenedoras que participam do programa, o que tem gerado críticas de que ele tem beneficiado principalmente instituições privadas, deixando todo o risco de calote com o governo.

– Como o financiamento é garantido pelo governo e não o vejo cobrando judicialmente milhões de estudantes ou formados, acredito que o programa tende à insolvência. Além disto, como não havia critério para selecionar os alunos a serem financiados, havia um forte incentivo para cursos de má qualidade, que dificilmente levariam para um bom trabalho suficientemente rentável – afirma Schwartzman.

MUDANÇA DE PLANOS NAS FACULDADES

Os contratos elaborados pelo Fies deram um salto. Em 2010, eram 76,2 mil. Já no ano passado, o número chegou a 738,7 mil. Como não há proibição para que estudantes já matriculados numa instituição passem a receber o benefício, uma parte dos alunos beneficiados foi justamente de quem já cursava o ensino superior.

Hoje, segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), algumas instituições tinham seu orçamento comprometido em até 70% com o Fies.

– As mudanças que o MEC anunciou trouxe um impacto enorme porque as escolas não colocaram um limite no número de alunos. Influenciadas pelo discurso do governo, as instituições ampliaram a entrada de estudantes com financiamento e planejaram 2015 com este discurso. Quando a portaria surge no calor do final do ano letivo, todo o planejamento do ano seguinte teve que ser modificado – afirma Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES.

Não foi só o planejamento das universidades que mudou. No final do ano passado, 500 mil estudantes mostraram interesse em participar do processo para ganhar o benefício. Com as instabilidades promovidas pelas novas regras e as inscrições em curso, não se sabe se a quantidade permanecerá.

Porém, estudantes já procuram outras formas de poder entrar no ensino superior. A empresa de financiamento privado PraValer dobrou o número de procurados em fevereiro deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

– O Fies trouxe uma cultura de financiamento do ensino. Hoje as pessoas olham a educação como um bem possível de conseguir. As novas regras do MEC mostram uma tendência de distribuição do crédito entre a esfera pública e privada – afirma Carlos Furlan, CEO do grupo.

Para Simon Schwartzman, o financiamento público ainda é uma boa solução mas deve vir com regras claras e buscando uma forma de se sustentar a longo prazo sem comprometer a União:

– Existem algumas maneiras de fazer isto: selecionando melhor os estudantes a serem financiados, as instituições onde estudam e fazendo as universidades serem corresponsáveis pela dívida assumida.

Procurado para responder sobre a expansão da presença de investimentos públicos no setor privado, o Ministério da Educação, por e-mail, se restringiu a ratificar a importância dos programas e dizer que tem investido fortemente nos últimos anos na expansão da educação superior, com objetivo de democratizar cada vez mais o acesso dos estudantes.

Raphael Kapa – O Globo