Falta-nos a cultura da “privacidade como padrão”

O vazamento de dados pessoais de milhões de estudantes que fizeram o Enem demonstra a urgência de normas adequadas para a proteção desse tipo de informação no Brasil e a necessidade de uma mudança da cultura nacional a respeito da privacidade. São cada vez mais comuns casos de vazamento de informações sigilosas no Brasil e no exterior.

No estado atual da tecnologia, é inadmissível que dados pessoais circulem sem estarem devidamente criptografados. Não há razão que justifique a falta de cuidados básicos no tratamento e armazenamento dessas informações, pois a tecnologia para isso está ao alcance de todos, sem custo, na internet.

O principal problema não é o custo nem a inadequação do sistema jurídico brasileiro. Falta-nos uma cultura da “privacidade como padrão”, ou seja, entender a privacidade como um modelo de conduta, como regra inerente a qualquer atividade, e não como incômoda exceção. Por isso, a revelação de vazamento de dados deve ser incentivada e não combatida. Ela permite que as vítimas possam adotar rapidamente providências para mitigar os danos, e os ônus da revelação levarão empresas e governos a investir mais e melhor na proteção de dados sensíveis ou até mesmo a evitar sua coleta desnecessária.

Esperamos que o vindouro anteprojeto de lei sobre proteção de dados pessoais possa atender em parte a esses anseios e despertar, entre nós, a cultura de privacidade, tão necessária em uma era de onipresença e onisciência tecnológica.

Marcel Leonardi é advogado, doutor em direito pela Usp e professor da FGV-SP.