Federais devem atingir metas para receber recursos

Em entrevista ao iG, sociólogo Simon Schwartzman defende que o governo deve ter controle sobre o dinheiro gasto por universidades

O sociólogo mineiro Simon Schwartzman não tem meias palavras para classificar a educação brasileira, especialmente o ensino superior. Na opinião do pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), falta qualidade ao que se ensina nas escolas e universidades do País.

Para elevar a educação a bons patamares, Simon defende reformas polêmicas. Uma delas prevê cortes de recursos quando metas não forem atingidas por universidades federais. “Não há controle sobre o dinheiro enviado às federais”, diz.

Em entrevista ao iG, o pesquisador Ph.D em ciência política – que já presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e deu aulas no Departamento de Sociologia da Universidade de Harvard – avaliou o ensino superior privado e sugeriu mudanças no sistema de avaliação e controle da pós-graduação brasileira.

iG: Como o senhor vê a educação brasileira hoje? Há muito o que ser melhorado?
Simon Schwartzman: O atual ministro da Educação (Fernando Haddad) fez uma série de movimentos que, em geral, foram no sentido correto, como a criação de índices de avaliação e o apoio às escolas em situação mais crítica. Mas há problemas muito sérios de qualidade por resolver que afetam a educação básica e superior e implicariam em mudar sistemas muito estabelecidos. Não existe nenhuma política de avaliação da qualidade e do desempenho das universidades federais, que são de responsabilidade do governo.

iG: O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), composto pelo Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade), não é suficiente para isso?
Simon Schwartzman: O Enade é um instrumento tosco. Dá algumas indicações de qualidade, mas ele afeta, sobretudo, as instituições particulares. Ele mede coisas que tipicamente essas instituições não têm: pesquisas, professores com dedicação exclusiva. Ele afeta também as públicas que não estão bem, mas o resultado não está associado a nenhuma política específica. Você não vê o governo dizendo que vai solicitar a uma instituição federal de má qualidade que ela faça alguma coisa para melhorar.

iG: O senhor acha que deveria haver um índice com metas de melhoria da qualidade, como acontece no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)?
Simon Schwartzman: O Ideb identifica escolas com mais problemas e dá apoio a elas, o que é uma ideia correta. No nível da educação superior, a situação é muito diferente. Você tem cursos que são malfeitos, malconcebidos, há desperdício de dinheiro. Quando se compara o sistema brasileiro com o de outros países que fazem o mesmo gasto com a educação superior, percebemos que o nosso é muito ruim. A saída seria dar a elas características de fundações públicas com regras do direito privado. Elas assinariam contratos de gestão com os governos para gerenciar recursos e receber verbas de acordo com desempenho e metas negociadas. No mundo todo, há movimentos nesse sentido. Essas eram ideias que o ex-ministro Paulo Renato de Souza tentou implantar e não conseguiu porque houve muita resistência.

iG: Como o senhor avalia esta proposta? A resistência foi ruim?
Simon Schwartzman: Essa proposta mexe em coisas muito estabelecidas. O Brasil não modernizou o sistema de gestão das suas universidades públicas. Elas são burocráticas. Têm autonomia pedagógica, mas não têm como assumir responsabilidade pelo próprio desempenho. É um sistema pesado, ineficiente e caro. Não há uma política adequada para as federais. Em relação ao ensino privado, o governo também tenta de alguma maneia controlar, mas não tem instrumentos adequados. Acho que é preciso estabelecer uma relação de responsabilização com as universidades.

iG: Que tipo de mudanças o senhor defende no ensino superior público?
Simon Schwartzman: Os sistemas estrangeiros têm contratos com os professores, em geral por um período de três ou quatro anos, que pode ser renovado ou não. A estabilidade só é dada depois de vários anos. Os resultados demonstrados como publicações e pesquisas contam. Você não pode tratar a universidade completamente como empresa, mas não pode ser refém desse engessamento. O sistema de gestão das universidades não possui mecanismos de flexibilidade e isso precisa ser mudado.

iG: O senhor costuma fazer críticas ao controle que se faz do ensino privado, um tema polêmico. Na sua opinião, essa fiscalização é excessiva?
Simon Schwartzman: Esse é um tema complicado. O ensino privado pode fazer um bom ensino, mas não vai fazer pesquisa porque é muito caro. Eles deveriam ser mais avaliados nesse sentido. Mas as avaliações existentes valorizam as características das federais. Há muitos estudantes que buscam a faculdade para ter um diploma, função assumida frequentemente pelas particulares. Pode ser que o aluno queira simplesmente continuar estudando ou ter um título que valha um pouco mais no mercado de trabalho. Isso precisa ser considerado. Uma coisa é você avaliar um curso de medicina, outra é um de economia. É muito difícil regular e controlar um sistema de ensino superior no Brasil com o tamanho e a variedade que o País tem. Uma perspectiva acaba se impondo sobre as demais. Precisamos de mecanismos diferentes de avaliação. O ensino privado deveria ter um sistema específico de avaliação, talvez próprio.

iG: Recentemente, o senhor escreveu artigos defendendo mudanças também na pós-graduação. O que deve ser modificado?
Simon Schwartzman: Temos hoje 150 mil alunos matriculados em mestrados e doutorados no País, cursos stricto sensu, e mais 150 mil inscritos em pós-graduações lato sensu, que não são reguladas pelo MEC (MBA, especializações). O Brasil criou uma coisa muito estranha, o mestrado acadêmico, que é uma espécie de mini-doutorado. No mundo inteiro, cada vez mais, o mestrado é a especialização profissional. Não é passo para vida acadêmica. Se esse for o objetivo do candidato, ele vai direto para o doutorado. No Brasil, isso também é permitido, mas poucas instituições fazem isso. O modelo de avaliação da pós-graduação feito pela Capes é muito acadêmico, definido por critérios das áreas das ciências exatas. As áreas mais aplicadas e as sociais são prejudicadas por causa disso. No passado, havia comitês formados por especialistas da área que analisavam os dados e os programas de pós e ponderavam as notas. Hoje, os critérios qualitativos são predominantes. O sistema da Capes funcionou bem durante muito tempo, estabeleceu padrões de qualidade. Agora, o sistema de pós ficou grande demais para continuar sendo manejado de maneira centralizada.

Priscilla Borges, iG Brasília