Fies vai dar preferência a alunos do Norte e do NE

“Sudeste concentrou o Fies e o ministro sempre teve a redução das desigualdades regionais como bandeira”, diz fonte As instituições de ensino superior que têm alunos atendidos pelo Fies, financiamento estudantil do governo, vão receber ao longo dos próximos quatro anos o pagamento das quatro parcelas remanescentes relativas ao exercício de 2015. De acordo com uma fonte no Ministério da Educação, os desembolsos vão funcionar como uma espécie de “13º salário” para as faculdades privadas, cujas ações registraram queda ontem na BM&FBovespa.

A volatilidade dos papéis no mercado reflete o vaivém de informações acerca das novas regras do Fies, que somente este ano vai movimentar mais de R$ 15 bilhões. Enquanto empresários do setor se queixam de falta de clareza por parte do governo, o Ministro da Educação, Cid Gomes, vê interesses em ganhos financeiros com a oscilação das ações. A interlocutores, Cid tem dito que a única bolsa com a qual ele se importa é “a de estudos”.

Entre as principais dúvidas que ainda pairam na cabeça de empresários e investidores estão o tamanho que o Fies terá em 2015 e quais serão os critérios exatos para distribuição das inscrições. A expectativa é de que sejam disponibilizados neste ano entre 400 mil e 500 mil novos financiamentos, sendo algo em torno de 250 mil no primeiro semestre.

Foi definido que todos os cursos com nota 5 serão contemplados, ficando os demais sujeitos a critérios regionais. O Valor apurou que, entre os cursos com notas 3 e 4, o plano é atender ao máximo as demandas das regiões Norte e Nordeste. O que sobrar será dividido entre as outras regiões do país. “O Sudeste sempre concentrou o Fies e o ministro sempre teve a redução das desigualdades regionais como bandeira. Disso, ele não abre mão”, disse a fonte.

O MEC ressalta, no entanto, que tudo vai depender do comportamento da demanda. Algumas instituições se queixaram recentemente de que o sistema do Fies estaria travando após ter atingido um determinado número de inscrições. De acordo com a fonte no ministério, o bloqueio se dá quando o limite financeiro das instituições – informado previamente ao governo – é alcançado.

O pagamento às instituições costuma ser mensal, mas o governo anunciou no final de 2014 que quitaria somente oito parcelas neste ano, sem informar como e quando trataria as remanescentes. Na esteira do ajuste fiscal em curso, também foram anunciados novos critérios para as inscrições no Fies. O objetivo do MEC é “enxugar” o programa por meio da combinação de duas necessidades atuais: redução de gastos e aprimoramento das exigências de qualidade das instituições que acessam o Fies.

Só poderão pleitear novos financiamentos os cursos com avaliação superior a 3, em uma escala que vai de 1 a 5. Para os estudantes, serão considerados aptos os que obtiveram pontuação mínima de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e que tenham recebido nota diferente de zero na redação. O Ministro da Educação, entretanto, já estuda a possibilidade de exigir, em um futuro próximo, os mesmos 450 pontos na prova de redação.

As primeiras medidas preocuparam o ex-ministro das Relações Institucionais Walfrido dos Mares Guia, que é sócio da Kroton, o maior grupo privado de educação do país. Ao notar a tesoura do Ministério da Fazenda se aproximando do Fies, ele procurou pessoalmente a presidente de Dilma Rousseff, de quem é amigo e ex-coordenador de campanha.

“Eu visitei a presidente no último dia de janeiro e disse que a medida era inconsequente. Ela determinou que sua equipe examinasse a questão e a portaria acabou cancelada”, disse Mares Guia ao Valor. A desconfiança de que o governo pudesse congelar novas inscrições, bem como a definição de um teto de 4,5% para os reajustes das mensalidades, irritou os empresários. “Reajuste não é assunto do MEC”, disse o ex-ministro.

Algum tempo após a conversa dele com Dilma, ordens superiores chegaram ao MEC. O limite para os reajustes foi elevado para 6,4% e o governo deixou claro que haverá novos contratos do Fies. “Walfrido está no céu”, definiu a fonte no ministério.

Ainda assim, Cid Gomes não está disposto a se esforçar para atender aos pleitos das empresas. O argumento é que, independentemente das novas inscrições que vão entrar este ano, os pagamentos do Fies vão passar dos R$ 15 bilhões em 2015. “No caso do reajuste, ninguém lembra que são os estudantes que vão pagar esse aumento. Mas as faculdades não estão muito preocupadas com isso, só querem receber. O ministério não vai pagar um centavo a mais além do reajuste de 6,4%”, disse a fonte.

Também veio “de cima” a orientação sobre como as mudanças no Fies seriam informadas ao mercado. Chegou a ser discutido um anúncio consistente e definitivo sobre as novas regras, mas a ideia não prosperou. A avaliação no MEC é que o desencontro de informações tem sido aproveitado para especulações com as ações das empresas.

O parcelamento em quatro anos foi novamente recebido com surpresa pelo setor. “O compromisso, reiterado por mais de cinco vezes pelo MEC e FNDE, é que uma parcela seria paga em 2016, outra em 2017 e duas parcelas em 2018, com correção”, disse Elizabeth Guedes, diretora da Abraes, entidade representante de seis grandes grupos educacionais. Essa era a proposta inicial do setor, mas após a publicação da segunda portaria do MEC, em 23 de fevereiro, o entendimento dos grupos era de que as quatro parcelas seriam quitadas já em 2016. No entanto, poucos dias depois, voltou-se a negociar a proposta do setor.

Murillo Camarotto | Valor Econômico