Financiamento e expansão do ensino superior, artigo de Roberto Leal Lobo e Oscar Hipolito

“Para aumentar significativamente a demanda proveniente das classes de renda inferiores, seria necessário financiar o estudante não só em relação à mensalidade”

Roberto Leal Lobo e Silva Filho, doutor em física pela Universidade de Purdue (EUA), é presidente do Instituto Lobo e foi reitor da USP (1990-1993) e da Universidade de Mogi das Cruzes (1996-1999). Oscar Hipolito, ex-diretor do Instituto de Física da USP-São Carlos, é consultor do Instituto Lobo. Artigo publicado na “Folha de SP”:

A formação superior não só prepara profissionais tecnicamente mais habilitados e competitivos mas também eleva o nível cultural e político de um povo, com efeitos positivos no aumento da produtividade e do PIB.

No Brasil, apenas 8% da população adulta tem formação superior, enquanto na média dos países da OCDE esse número é 26%. A Coreia tem 32%, a Espanha, 28%, a Rússia, 55%, e o Chile, 13%.

Entre 1980 e 1996, houve um grande crescimento de matrículas em todo o mundo diante do reconhecimento desse investimento como alavanca do desenvolvimento. No entanto, no Brasil, as matrículas cresceram somente 22%, enquanto no México cresceram 165%, na Coreia, 259%, na Austrália, 158%, e em Portugal, 243%.

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, houve um choque de oferta, com uma desregulamentação na criação de cursos e instituições que fez o sistema crescer rapidamente, passando a ter 240 mil matrículas por ano.

O acentuado crescimento de matrículas observado no final da década de 1990 e início desta está, claramente, caminhando para a saturação. A projeção de crescimento indica para a próxima década uma saturação das matrículas entre 5 milhões e 5,5 milhões – um número bem abaixo do objetivo do Plano Nacional de Educação, de 7,5 milhões. Para atingir tal meta, seria necessário um aumento médio de 500 mil matrículas por ano.

Os estudantes universitários brasileiros são originários, em sua esmagadora maioria, das classes A, B e C. No setor público, 82% dos estudantes provêm de famílias com renda nos 40% mais ricos, e no setor privado esse número é de 91%.

Enquanto o Brasil não conseguir incluir as classes intermediária e de baixa renda, não será possível aumentar a formação de nível superior em um modelo em que o setor público possui altos custos e o setor privado é majoritário.

Com a atual crise financeira mundial, mais difícil será melhorar esse panorama para as instituições de ensino superior privadas e para os estudantes. A demanda tende a cair, e a evasão, tanto no setor privado quanto no setor público, tende a aumentar.

Para socorrer a educação superior e retomar uma política de crescimento, seria possível auxiliar diretamente as instituições de ensino superior via linhas especiais de empréstimos – o que irá, na melhor das hipóteses, equilibrar seus fluxos de caixa no curto prazo – ou, o que parece mais lógico, aumentar o financiamento direto ao aluno, garantindo seu ingresso e sua permanência no ensino superior.

Para aumentar significativamente a demanda proveniente das classes de renda inferiores, seria necessário financiar o estudante não só em relação à mensalidade mas também em relação à sua manutenção enquanto estudante (inclusive para alunos do setor público).

Os programas governamentais, como o Fies (restituível) e ProUni o (não restituível), e outros programas privados ainda são insuficientes para que as matrículas de nível superior se aproximem dos valores previstos no Plano Nacional de Educação.

E, certamente, um gigantesco projeto de financiamento governamental aos estudantes é inviável. A melhor – e talvez única – proposta viável é estimular a demanda por meio de uma parceria entre os setores público e privado, em que o governo estimulasse, por meio de políticas de apoio ou garantias, empréstimos restituíveis concedidos aos estudantes de nível superior, financiados por fundos privados.

Exemplos bem-sucedidos de programas desse tipo são os Estados Unidos, onde 95% dos estudantes de ensino superior recebem alguma forma de financiamento ou auxílio para sua formação, além de muitos outros países, como Canadá, Austrália e Chile.

A mais importante forma de financiamento nos EUA é o empréstimo federal, que, sozinho, responde por mais de 50% do total dos auxílios. Esses empréstimos podem ser dados a estudantes de graduação e pós-graduação, por meio da instituição ou de agentes financeiros, podendo ser subsidiados ou não, dependendo da renda.

Se o empréstimo for subsidiado, o estudante não paga juros até seis meses depois de formado. Esse programa é chamado "Federal Family Education Loan Program" (FFELP). Os agentes financeiros privados têm pouco risco no empréstimo aos estudantes porque o governo federal garante cerca de 98% desses empréstimos.

Em 2003, havia nos EUA mais de 3.500 agentes financeiros nesse mercado de empréstimos que inclui bancos, instituições sem fins lucrativos e agentes com fins lucrativos, uma carteira de mais de US$ 200 bilhões.

Por que não adotar solução semelhante no Brasil?
(Folha de SP, 9/4)