Gestão Temer acelera votação da base curricular sem novo debate

O Ministério da Educação da gestão Michel Temer (PMDB) preparou nova versão da Base Nacional Comum Curricular e tentará aprová-la já esta semana.

O texto definitivo, com mudanças em relação à proposta anterior, foi encaminhado nesta quarta-feira (29) para os membros do CNE (Conselho Nacional de Educação).

Trata-se da 4ª versão do plano, que não terá mais tempo para discussão, já que a gestão Temer pretende obter aval do conselho ainda neste começo de dezembro. Essa situação desagrada parte dos especialistas e conselheiros –alguns dizem que nem sequer conseguiram ver as alterações levadas pelo MEC.

A base vai prever aquilo que escolas públicas e privadas devem ensinar a cada ano da educação básica (da educação infantil ao ensino médio).

O texto em discussão agora, no entanto, ainda não trata do ensino médio –que será alvo de proposta posterior.

A norma vai orientar escolas do país inteiro na elaboração de currículos, além da produção de livros didáticos.

Nesta 4ª versão da base, foi a retomada da inclusão de ensino religioso de caráter não confessional –previsto originalmente, mas que havia sido retirado do texto anterior.

Foram incluídas menções sobre conhecimentos de tecnologia, e houve também alterações nas partes de educação infantil e alfabetização –detalhando aquilo que se espera das crianças nos dois primeiros anos do ensino.

Esses pontos fazem parte de críticas recebidas após a apresentação da 3ª versão do texto, encaminhada ao CNE em abril. O conselho realizou uma série de audiências públicas e recebeu documentos com propostas de alterações.

Cabe ao CNE emitir um parecer e votar a resolução final sobre a base, para em seguida ser homologada pelo MEC.

Nesse documentos do conselho também devem constar os prazos para a implementação. O governo espera que a mudança já esteja nas escolas em no máximo dois anos.

CRÍTICAS

A Folha tabulou os conteúdos dos 235 documentos recebidos pelo CNE sobretudo em audiências públicas realizadas antes da elaboração da 4ª versão da base. p(documentcloud). Veja a tabela.
Ao todo, houve pelo menos 619 colaborações: 54% eram críticas e 38%, propostas de alteração. Apenas 8% indicavam aspectos positivos. O ensino fundamental concentrou 42% das colaborações e 14% eram sobre educação infantil.

As críticas que fazem parte dos documentos recebidos pelo CNE vão desde a concepção de uma área ou conhecimento até a redação de determinados competências previstas.

O CNE é formado por 22 educadores, aprovados pelo governo –que acaba tendo influência sobre a maioria.

Segundo Ivan Claudio Siqueira, membro do CNE, há posições divergentes em relação ao prazo da base.

“A discussão que vem sendo feita não é de hoje, tem tempo bastante longo. E quanto mais avança mais questões surgem, é um processo infindável. É inequívoco que, se [o CNE] pudesse se debruçar em algumas questões específicas com mais prazo, poderia melhorar. Tem as duas posições dentro do CNE”, afirmou ele nesta sexta-feira (1º), em entrevista pela internet promovida pela Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação).

De olho no calendário eleitoral, a gestão Temer não abre mão de homologar a base ainda neste ano. O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), deve sair do cargo em abril para se candidatar (é cogitado para a disputa do governo de Pernambuco ou de uma cadeira no Senado).

A pasta afirma que as sugestões feitas foram analisadas e que a nova versão é resultado de cooperação com os relatores da base no CNE.

João Batista Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, diz que “a pressa política” tem predominado até este momento e critica a nova versão, que ele considera “secreta”.

“O que mais me preocupa como cidadão é a falta de debate. Audiência pública não é debate, consulta pela internet não é debate. Debate é quando alguém defende uma posição e outra confronta e discute”, diz ele, cujo instituto encaminhou críticas sobretudo à parte de alfabetização.

Alvo de polêmica que dividiu educadores e grupos religiosos, a menção às expressões de identidade de gênero e orientação sexual não voltarão ao texto, segundo relato também de Ivan Siqueira.

O MEC retirou da 3ª versão, de última hora, menções às expressões depois de sofrer pressão de religiosos.

OUTRO LADO

Segundo o Ministério da Educação, a nova versão da Base Nacional Comum Curricular é resultado de análise dos documentos apresentados nas audiências públicas do Conselho Nacional de Educação. A pasta não indicou, entretanto, como foi a sistematização dessa análise e quantas pessoas foram envolvidas.

Questionado, o MEC também não respondeu sobre a exclusão definitiva de termos referentes à identidade de gênero. De acordo com membros do conselho, a base não trará essas menções –que foram suprimidos de última hora na 3ª versão pela equipe do ministro Mendonça Filho (DEM).

O governo diz em nota que, no trabalho de revisão, foi levada em consideração “a pertinência dos temas tratados”.

“O MEC trabalhou em estreita cooperação com os relatores da BNCC, de forma a garantir o pleno alinhamento do texto da base ao da resolução a ser submetida à aprovação”.

O novo texto da base, encaminhado nesta semana e ainda não divulgado, deve constar como anexo da resolução do CNE. Essa resolução deve definir detalhes de prazos de implementação.

O bloco de português passou por grandes alterações. “O aprimoramento da progressão em língua portuguesa, abrangendo desde a fase inicial de alfabetização, passando pelo subsequente aperfeiçoamento ortográfico durante os anos iniciais, até o aumento gradativo na complexidade das habilidades.”

Haverá ainda mudanças na educação infantil e em ciência humanas. “O conjunto do documento incorpora sugestões para aprimoramento da redação, exclusão de ambiguidades e repetições.”

Fonte: Folha de São Paulo