Governo deve desvincular gastos obrigatórios em educação e saúde? Sim!

O governo anunciou recentemente que enviará ao Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que estabelecerá um limite para o crescimento do gasto primário da União.

Nas últimas duas décadas, o gasto primário tem crescido a uma taxa muito acima do crescimento do PIB, o que aponta para uma trajetória fiscal insustentável caso não sejam adotadas medidas de ajuste. O atraso no pagamento de salários e a interrupção no fornecimento de serviços públicos em vários Estados e municípios mostram o custo incorrido pela sociedade quando esse ajuste é feito de forma desordenada.
De acordo com o projeto, o aumento do gasto público terá como limite a taxa de inflação. Embora os detalhes ainda não tenham sido explicitados, a proposta necessariamente envolverá uma revisão de várias regras que resultam em crescimento dos gastos a uma taxa superior à das receitas necessárias para financiá-los.

Além da questão da solvência do setor público, essa proposta coloca em discussão a forma como as escolhas da sociedade se refletem no orçamento, em particular por meio de vinculações nas áreas de educação e saúde.

A Constituição de 1988 estabeleceu que o governo federal deve destinar 18% de suas receitas para a educação; para Estados e municípios, esse percentual é de 25%. O Plano Nacional de Educação criou uma vinculação adicional ao estabelecer que o gasto público no setor deverá atingir um montante correspondente a 10% do PIB até 2024.

No caso da saúde, a emenda constitucional 29/2000 determinou que o gasto do governo federal seria vinculado ao crescimento do PIB nominal. Em 2015, outra emenda estabeleceu uma vinculação dos gastos em saúde da União à receita corrente líquida.

Embora o objetivo de assegurar fontes de financiamento para saúde e educação seja meritório, vinculações orçamentárias não representam uma forma adequada de fazê-lo por dois motivos.

Primeiro, o orçamento é o espaço democrático para o debate sobre as decisões de como alocar os recursos públicos. Na medida em que grande parcela do orçamento é fixada por leis e regras de indexação, a margem de escolha do governante para executar as políticas defendidas na campanha é muito limitada.

Segundo, a vinculação reduz a efetividade do gasto público ao impor uma regra que não leva em consideração o fato de que as necessidades variam em função das condições locais e ao longo do tempo.
De fato, uma das iniciativas mais importantes em educação representou uma tentativa de contornar a rigidez imposta pela vinculação. Na década de 1990, constatou-se que, em Estados nos quais a rede municipal tinha grande participação no ensino fundamental, principalmente no Nordeste, a vinculação de 25% da receita era excessiva para a rede estadual, mas insuficiente para a rede municipal.

Em função disso, foi criado o Fundef, que redistribuiu os recursos entre cada Estado e seus municípios, de acordo com o número de alunos matriculados na rede local de ensino fundamental. Na medida em que tornou-se necessário aumentar os recursos para a educação infantil e o ensino médio, foi criado posteriormente o Fundeb, que estendeu o mecanismo do Fundef para toda a educação básica.

A vinculação de recursos orçamentários deveria ser uma exceção, não a regra. Deveria ter objetivos específicos, ser limitada no tempo e condicionada a uma avaliação periódica de seus resultados. A desvinculação seria um passo importante na direção de uma alocação mais democrática e eficaz do gasto público.

FERNANDO VELOSO, 49, doutor em economia pela Universidade de Chicago, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Foi colunista dos cadernos “Mercado” e “Saber”, da Folha

Fonte: Folha de São Paulo