Matemática patina onde há mais procura

Estados com piores notas na disciplina em avaliações do MEC são os que têm mais interessados em seguir carreira de professor em exatas

Os Estados brasileiros que apresentam desempenhos medianos e baixos em matemática nas avaliações do Ministério da Educação (MEC) são os que mais registram ingressantes nas carreiras de professor da área de exatas, como física e mesmo matemática. A conclusão é de uma pesquisa do Insper (ex-Ibmec).

Para as pesquisadoras Maria Cristina Gramani e Cintia Scrich, essa relação pode ser perigosa, já que forma um ciclo no qual alunos que tiveram um conteúdo defasado se tornam docentes justamente da área em que apresentam mais dificuldades de aprendizagem. “Isso cria uma relação complicada que só pode ser revertida se reforçarmos a base da educação básica”, explica Maria Cristina Gramani.

O estudo, intitulado “O desempenho educacional como fator de influência na escolha da profissão”, analisou o desempenho em matemática de escolas públicas e privadas de todo o País. Para isso, utilizou as notas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2005, 2007, 2009 para 4.ª série e 8.ª série, e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2008.

Para descobrir quais Estados têm os melhores alunos em matemática, foi feito um ranking da eficiência educacional na disciplina, com a relação entre as notas obtidas no Enem e as notas de matemática ao longo dos outros anos do ensino fundamental, por meio do Saeb. Os Estados com melhores relações foram considerados os mais eficientes em matemática (mais informações nesta página). Após essa fase, as pesquisadoras reuniram dados de procura (inscritos) e ingressantes (no vestibular) de cursos do ensino superior: Engenharia, Administração, Economia, Arquitetura, Medicina, Direito, Física e Matemática.

“Piauí e Sergipe são grandes exemplos dessa relação preocupante: registram altos números de inscritos e ingressantes nos vestibulares para formação de professores em exatas e, ao mesmo tempo, têm desempenhos baixos em matemática”, afirma Maria Cristina Gramani.

A pesquisa do Insper também revelou uma tendência natural: os Estados que apresentam as maiores eficiências em matemática são aqueles onde há mais estudantes interessados em cursar as carreiras mais diretamente relacionadas a ela, como é o caso do curso de Engenharia. Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo, por exemplo, estão entre as unidades da federação que melhor representam essa relação.

Realidade. Para os professores dos cursos de Matemática, a pesquisa retrata a defasagem que os alunos apresentam ao ingressarem no ensino superior. “Os estudantes chegam com uma formação deficiente, que vem do ensino fundamental e do médio”, diz Manoel Vieira Neto, coordenador do curso da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Ele acredita que a grande demanda pelas licenciaturas se deva à baixa concorrência e, consequentemente, às baixas notas exigidas para o ingresso nesses cursos. Paulo de Souza Rabelo, chefe do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Sergipe (UFS), concorda.

“Normalmente é o aluno carente, que estudo em escola pública, que vem com dificuldades”, afirma. De acordo com ele, no curso da UFS, apenas 20% dos alunos passam para o segundo ano sem reprovar em nenhuma disciplina.

A dificuldade que os ingressantes nos cursos de licenciatura em exatas demonstram não é percebida somente nos Estados de piores desempenhos em matemática. “A defasagem é nítida”, diz Paulo Roberto Nascimento, coordenador do curso de Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, de São Paulo. “Eles precisam de suporte.”

Equalização. Apesar de algumas universidades oferecerem cursos de nivelamento para os universitários com defasagem de conteúdo, os professores afirmam que é difícil superar as deficiências de oito anos em poucos meses.

De acordo com Rodrigo Capelato, diretor executivo do Sindicato das Entidades de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), os cursos de nivelamento são comuns hoje. “A maior parte das instituições já tem, para evitar a evasão. Praticamente todas apresentam alguma iniciativa nesse sentido”, explica Capelato. “Isso mostra a gravidade da baixa qualidade da nossa educação básica.”