Não vou ficar agradecendo o governo Dilma, diz nova presidente da UNE

Entre o retrocesso e o avanço, a pauta da primeira semana da nova presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) Carina Vitral foi, no mínimo, agitada.

Aluna do sexto período de economia na PUC-SP, a santista, de 26 anos, esteve na Câmara na quarta-feira (10) onde diz ter ouvido do ministro da Educação Renato Janine Ribeiro que a entidade será ouvida sobre os rumos do Fies (programa de financiamento universitário).

No mesmo dia, Carina acompanhou a reunião da comissão que votaria o projeto de emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Saiu de lá sob o efeito de spray de pimenta, retirada por policiais. A votação acabou adiada.

Ante aos problemas causados pela redução de verbas para o setor neste ano, como no Fies (programa oficial de financiamento universitário), ela reconhece os avanços dos programas educacionais nas gestões do PT, mas cobra mais transparência nessa área. “Eu não vou ficar agradecendo o resto da vida por um direito.”

Folha – Qual a diferença de ter um presidente da UNE de faculdade particular?

Carina Vitral – Isso se deve a uma mudança de composição da UNE. Hoje, o desafio é formular uma agenda para quem já teve alguns direitos [garantidos]. Além do Prouni, por exemplo, que é uma conquista também da UNE, mas que já faz dez anos, qual outro direito? Jovem é assim. Eu não vou ficar agradecendo o resto da vida por um direito. Eu quero mais.

O que, por exemplo?

Passe livre, por exemplo. Bandejão em universidades privadas…

Como a UNE acompanha os problemas no Fies?

O início do semestre foi muito conturbado e prejudicou muito os estudantes. No geral, algumas propostas foram positivas e beneficiaram os alunos como o teto para o reajuste das mensalidades. O problema é que isso foi feito da noite para o dia, sem avisar, muito próximo do período de abertura dos contratos.

Vemos com preocupação algumas propostas, como o aumento de juros. Se você já baixou a renda, vai aumentar o juros justamente para a baixa renda? Nossa régua é o direito dos estudantes.

A UNE está sendo ouvida pelo MEC?

O ministro nos disse que quer nos ouvir sobre o Fies. Estamos para marcar uma semana exclusivamente sobre isso. Não dá para ter pequenas mudanças. É preciso uma reformulação completa.

Qual o problema do Fies?

Transparência. É o único programa educacional cujo controle está na mão dos empresários. Por exemplo, por que [as vagas para] o Fies não é selecionado pelo Sisu?

Hoje o aluno passa no vestibular, vai na comissão interna da faculdade e entrega os documentos. Fazer um Fies na PUC, por exemplo, que não tem fins lucrativos, é muito mais rígido que em outras universidades [que querem mais contratos].

Faltou discussão sobre os rumos do programa?

Estamos em um período em que esses programas precisam de um balanço. Todo programa é assim, passam uns dez anos é preciso avaliar o que está dando certo, o que está dando errado, o que é demais, de menos. O Fies é um deles que precisamos entender, existiu exagero por parte das universidades, um certo descontrole.

A transparência vai beneficiar os estudantes. Hoje, o aluno entra na faculdade e vai assinar o contrato no final de junho, se não conseguir está endividado em seis meses. Você entra contando com esse contrato. Como eram quase que ilimitados, todo mundo conseguia. Neste ano, muitos não conseguiram e estão endividados, vão ficar inadimplentes.

De quem partiu a reação na Câmara que acabou com policiais usando gás de pimenta?

O presidente da comissão iria encaminhar a votação. Ele não ia nem apreciar o relatório e iria mandar direto para a votação. Sob o protesto de alguns deputados começamos a entoar palavras de ordem. Os deputados conservadores começaram a nos ofender. Alberto Fraga (DEM-DF), principalmente. O mesmo que bateu boca com a Jandira Feghali (PC do B), o do ‘Se bate como homem, mulher tem que apanhar como homem’. Falavam coisas como: ‘isso aqui virou um antro de piranhas e viadinhos’.

Por que a maioridade penal está na pauta da UNE?

Porque reduzir é um retrocesso para toda a juventude. A UNE, além de ser representativa para todos os estudantes, que é um ponto de partida que não deve perder, sempre foi chamada para opinar sobre diversas questões. Ao longo da história, seja na resistência à ditadura, ou na reconstrução da democracia, a UNE participa de tudo.

Os movimentos sociais vivem um momento de repressão?

A crise econômica uniu alguns setores que eram fragmentados. A direita, os conservadores, os reacionários. Tem muita gente saindo do armário –no mau sentido– a eleição do Eduardo Cunha para a presidência da Câmara é um símbolo disso. Hoje em dia fazemos manifestação no Congresso e a repressão é com gás de pimenta.

Você é filiada ao PCdoB. Como analisa a atuação dos aliados do governo, e do Congresso?

Um bom amigo não fala só o que você quer ouvir. Quando preciso, tem que falar o que não quer ouvir também.

Na última eleição [para presidente], a direita caiu, mais caiu atirando, como diz o “capitão Nascimento”. O Congresso reflete isso, mas também é o fruto de um sistema de financiamento privado. O que é o Eduardo Cunha (PMDB) se não a expressão do financiamento privado de campanhas?

Existe resistência a esse conservadorismo?

Sim, acho que nem tudo se perdeu.

Qual a autocritica você faz em relação à atuação dos movimentos sociais e, da UNE especificamente, no cenário que levou a essa radicalização?

Ainda não é a direita que ‘emociona’ os jovens no Brasil. Se você comparar duas manifestações recentes como Junho de 2013, que foi essencialmente jovem, com uma pauta progressista, luta pelo transporte público e pela redução das tarifas, com a do dia 15 de maio, do Fora Dilma, da direita, essa foi uma manifestação absolutamente envelhecida.

Como analisa lideranças jovens, como Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre?

Não acho que isso cole dentro da universidade. O jovem não é de direita. Nossa geração é mais contraditória do que conservadora. Por que digo isso? Do ponto de vista dos direitos civis, como o casamento homoafetivo, inclusão social, a própria mudança cultural, não é um jovem conservador. Mas há o ‘prounista’ que é contra as cotas, é reflexo de uma geração que ascendeu a direitos, mas que debateu pouco sobre esses direitos. Muitos pensam que essas conquistas são individuais, e quando você não percebe isso como vitórias coletivas, não consegue ter um ganho de consciência. Mas fale sobre a retirada desses direitos, esses jovens lutam com unhas e dentes contra.

A UNE ainda os representa?

Sim, vivemos um processo de adaptação da composição, 60% dos delegados no congresso da UNE eram ‘prounistas’, estudantes com Fies ou cotistas. Também estamos adaptando nossas pautas.


RAIO-X CARINA VITRAL, 26

– Natural de Santos (SP)

– Presidente da UNE

– Presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes de São Paulo)

– Aluna do sexto período de economia na PUC-SP


EMILIO SANT’ANNA – Folha de S. Paulo