“Nós só queremos oportunidade de estudar”, afirma estudante quilombola em seminário sobre o Pnaes

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) reuniu especialistas para tratar sobre o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). Com a temática “O Pnaes e a democratização do acesso, permanência e êxito na universidade federal”, o seminário abordou a importância da assistência estudantil e debateu sobre a necessidade de se ampliar o investimento nas políticas públicas voltadas para estudantes de baixa renda que, de outra forma, não teriam acesso ao ensino superior.

Segundo a Andifes, o aumento da inclusão de jovens com esse perfil foi possível graças a políticas de Estado, considerando os processos seletivos massivos, como o ENEM, a criação de mais de 300 campi no interior do País e a Lei de Cotas, criada em 2013, e que garantiu o ingresso de 32% dos estudantes que compõem o corpo discente das 63 universidades federais brasileiras.

De acordo com levantamento coordenado pela Andifes e pelo Fonaprace, dois terços dos universitários têm origem em famílias com renda média de 1,5 salário mínimo, ou seja, mais de 43% dos alunos que ingressaram no ensino superior público e gratuito nos últimos anos pertencem às classes C, D e E, desmistificando a ideia de que as universidades vêm sendo ocupadas exclusivamente pelos filhos das elites.

Já há algum tempo, os reitores sinalizam preocupação com o congelamento dos recursos do Pnaes, em um cenário em que 60% dos estudantes das universidades federais têm vulnerabilidade socioeconômica. “Tivemos um salto de diversidade em nossas instituições, algo fundamental para a promoção da cidadania. Mas, infelizmente, não temos nenhum recurso para investimento nessa área: para construção de moradia estudantil, compra de equipamentos, livros. Isso é gravíssimo”, destacou o presidente da Andifes, reitor Emmanuel Tourinho.

O professor Cesar Augusto da Ros (UFRRJ), integrante do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), apresentou um histórico das políticas de assistência estudantil e destacou que não se trata apenas de auxílio financeiro. “Nós consideramos a assistência estudantil sob a perspectiva da inclusão, formação ampliada, produção do conhecimento, melhoria do desempenho acadêmico e na qualidade de vida, agindo preventivamente às questões de repetência, evasão por conta de renda e de condições financeiras. Não é meramente uma política de caráter social ou reparatória. A assistência estudantil tem uma conexão com as atividades-fim da universidade”, explica.

Da Ros acrescenta que o Fonaprace considera necessária a transformação do Pnaes em uma política de Estado, para que o Governo possa garantir no Orçamento a destinação de recursos orçamentários e financeiros em médio e longo prazo. “E nesse sentido, sempre defendemos a autonomia de gestão das ações da assistência estudantil, de acordo com as especificidades de cada universidade”, ressalta.

O diretor de Políticas e Programas de Educação Superior do Ministério da Educação, Vicente Almeida Júnior, destacou que o País vive um momento de demandas crescentes e recursos escassos. “O MEC destinou R$ 953 milhões de reais em 2017, para a assistência estudantil. Esse valor é suficiente? Temos que trabalhar para que seja.”

Para os reitores, os recursos não são suficientes pois, na medida em que a crise financeira pela qual o País passa se aprofunda, aumenta o número de estudantes em situação de vulnerabilidade, tendo em vista o aumento do desemprego e de custos em geral.

O seminário recebeu, ainda, uma comissão de alunos indígenas e quilombolas, que foram pessoalmente narrar a situação que têm vivido diante das dificuldades e pedir apoio para mudar o quadro de insegurança que se instalou entre eles. “Nós queremos que o decreto que institui o programa Bolsa Permanência seja transformado em lei e que o Pnaes passe a ser política de Estado. Não estamos pedindo nada demais, queremos apenas oportunidade de estudar, de nos formarmos e oferecer melhores condições para as nossas famílias”, afirmou a estudante de curso de Geologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Evilane Clemente, vinda de uma comunidade quilombola.

O coordenador do Fórum de Pró-Reitores de Planejamento e Administração (Forplad), professor Thiago Galvão das Neves, apresentou a proposta de uma nova Matriz Pnaes, que objetiva fazer a distribuição dos recursos da assistência de forma mais justa, usando um modelo matemático para identificar e alcançar o destinatário do benefício. “Nos últimos anos, não tivemos correção suficiente dos recursos, pois o ingresso de alunos cotistas, que antes era de 35%, foi de 50%”, explicou.

O coordenador do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), professor João de Deus Mendes, mostrou gráficos que comprovam esse crescimento de alunos em situação de vulnerabilidade econômica e que a demanda pela assistência estudantil se ampliou expressivamente. O professor mostrou, ainda, que, em geral, o investimento se dá de forma semelhante em todas as universidades, com pequenas alterações de acordo com a especificidade de cada uma delas. “Alguns campi têm um custo maior que outros com restaurante universitário, por exemplo. Já outros precisam investir mais no deslocamento, o que mostra que a divisão dos recursos precisa considerar a realidade de cada instituição, sobretudo a quantidade de alunos dentro dos critérios legais.”

O reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), professor Reinaldo Centoducatte, complementou a apresentação da Matriz Pnaes, explicando que o número de alunos cresceu, mas não representa diretamente a quantidade de assistência disponibilizada, já que muitos beneficiários precisam de mais de um tipo de auxílio. “A variação de alunos que recebem apoio está crescendo expressivamente desde 2009. Se o recurso se mantém ou cresce na média que vem ocorrendo, nós estamos efetivamente atendendo um menor número de alunos, porque a demanda aumentou”, destacou.

A matriz

De acordo com o professor João de Deus, a nova matriz proposta pelo Fonaprace foi debatida durante dois anos, com a importante colaboração da Comissão de Modelos do Forplad. O fundamento conceitual é de que é necessário identificar quantos alunos carentes existem e onde eles estão.

“A matriz não gera novos recursos orçamentários para o sistema, mas o distribui de modo mais justo entre as universidades federais. Todos os participantes do seminário, entre palestrantes, reitores, pró-reitores e estudantes, com exceção do representante do MEC, professor Vicente Almeida Júnior, concordam que os recursos atualmente alocados para a assistência estudantil são insuficientes”, finalizou.