O futuro, com inteligência

Há dez anos poucos tinham ouvido falar de Doha, capital do Qatar, um país com 1,5 milhão de habitantes. Foi necessária a Rodada de Doha para colocar a cidade no mapa mundi do comércio. Com a recente conquista da sede da Copa do Mundo de 2022, Doha entrou no mapa do esporte internacional. E em 2011, com o lançamento do WISE Prize – na prática, o Prêmio Nobel da Educação – Doha estará no centro das atenções.

A conquista da Copa de 2022 desbancou gigantes como o Japão e os Estados Unidos, numa grande zebra extracampo. Afinal, como explicar que um país sem tradição no esporte tenha conseguido tal feito? Quem, no entanto, acompanhou o empenho do Qatar na organização dos jogos asiáticos em 2006, na construção de estádios e na realização de eventos futebolísticos internacionais, consegue perceber que há um plano minuciosamente elaborado e em execução.

Doha é, hoje, um canteiro de obras. Prepara-se desde já para a copa e outros eventos. Por isso mesmo, já em 2012, uma década antes da copa, terá um segundo aeroporto internacional e será capaz de atender a 50 milhões de passageiros/ano. Os qataris sabem que em 2022, ajudada pelo fuso horário privilegiado, Doha será vista no horário nobre por nada menos que 3,2 bilhões de telespectadores. Vale, pois, a pena preparar-se para o grande espetáculo.

O que mais impressiona, no entanto, é o investimento no setor educacional. Se é verdade que o Qatar investiu 9 milhões de dólares para levar Brasil e Argentina aos seus gramados, é também verdade que investiu 30 milhões nas duas conferências mundiais sobre inovação na educação (WISE).

A terceira está prevista para novembro próximo, quando será entregue o prêmio mundial. As conferências da WISE de 2009 e 2010 reuniram, juntas, pouco mais 2.000 pessoas. Presentes estavam políticos, professores, gestores, empresários, empreendedores sociais, especialistas em informática, Nokia, Microsoft, Unesco, OCDE, Banco Mundial etc.

Se em 2009 os destaques foram o Twitter de Biz Stone e os computadores para meninos carentes de Sugata Mitra, em 2010 o vencedor disparado foi o Ipad, com suas incríveis potencialidades para o redesenho de bibliotecas e a reinvenção da pedagogia. Já é hoje possível imaginar um aluno receber, no dia do seu ingresso na universidade, toda a bibliografia exigida em seu curso, podendo levar na mochila uma biblioteca maior e melhor que a da maioria de nossas faculdades.

O trabalho dos professores será, portanto, profundamente afetado por esta nova tecnologia e é impossível imaginar que alunos da geração pós-Ipad aceitem métodos, ritmos e salas de aula incompatíveis com a agilidade e a facilidade de acesso ao conhecimento que a comunicabilidade móvel proporciona.

Durante a Conferência entreguei o meu cartão ao indiano sentado ao meu lado. Ao final da palestra ele me surpreendeu: “Acabo de ler um paper seu, de 2009”, disse. “Gostaria de continuar em contato.” Trocamos um cordial aperto de mão e não pude deixar de olhar para o seu Ipad com uma ponta de inveja. Ao seu lado, o meu notebook parecia um dinossauro!

Os investimentos na educação não param nas Conferências. Quem visita Doha deve visitar a Education City – um campus multi-institucional e internacional. Nele estão presentes oito universidades do mundo, convivendo em harmonia com os alunos dos Estudos Islâmicos, seus valores e tradições. O projeto deverá transformar Doha num grande centro de pesquisa, preparando o país para a economia pós-carbono, para quando as reservas de petróleo e gás se esvaírem. A Education City, acreditam, é um dos empreendimentos capazes de gerar as competências que levem este sonho a se tornar realidade.

Se os investimentos educacionais se transformarão em resultados só o tempo dirá. Os investimentos em educação ainda são apostas, mas para os qataris, depois de conquistarem a sede da copa, “impossível” é palavra proibida. Por isso mesmo, convictos, continuam a investir pesado em educação. Talvez esteja aí uma lição para o Brasil: a aplicação inteligente dos recursos do pré-sal representa uma oportunidade histórica de preparar o país para enfrentar os desafios de um mundo sem petróleo.

DILVO RISTOFF é reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul.