“O ministro da Educação está mais preocupado em causar nas redes sociais do que fazer política pública”, diz Tabata Amaral

Deputada afirma que Weintraub a vê como inimiga, e que Escola sem Partido é inconstitucional

RIO — Notória por seus discursos contra o primeiro escalão do Ministério da Educação ( MEC ) desde o começo do governo Bolsonaro , a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) vem aumentando a frequência dos encontros com sua base eleitoral em São Paulo, com foco especial nos eleitores mais jovens de diferentes regiões do país.

Em uma destas reuniões, realizada na Fundação Getúlio Vargas do Rio, com bolsistas da instituição que foram medalhistas da Olimpíada de Matemática, a deputada de 25 anos pregou para os jovens participarem da política para ocupar espaços dos “tradicionais homens gordinhos com cabelo branco”.

Questionada algumas vezes sobre sua visão dos partidos políticos, disse ser contra candidaturas avulsas, mas afirmou que as siglas devem passar por “mudanças profundas” já que “ninguém mais se identifica com os partidos”.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, a deputada respondeu ainda sobre programas do MEC como o Future-se, a discussão do Fundeb, os posicionamentos do ministro e como vê o Escola sem Partido.

O ministro anunciou recentemente o descontingenciamento dos recursos nas universidades e fez uma grande apresentação para isso. Como você vê essa postura?

É… o que eu posso falar de um ministro que coloca um óculos e joga um microfone ? O ministro está mais preocupado em fazer campanha, em causar nas redes sociais do que em fazer políticas públicas. Ele faz tudo, menos o que um ministro de estado deveria fazer. Ele mesmo falou isso, né? Que ele estava mais preocupado em zoar fulano e sicrano do que em pensar nos problemas da educação. Eu acho triste. Ele mostra estar pouco focado em problemas que são enormes e que dariam bastante coisa para ele pensar.

E sobre o descontingenciamento? Resolve o problema das universidades?

É claro que é uma boa notícia. Acho que tem mais a ver com mobilização da academia e dos estudantes do que do próprio ministro.

Então, foi por pressão social?

Claro que sim, ninguém passa impune pelo que a gente viveu de mobilização. É estranho ele trazer o crédito para ele, mas não resolve o problema. É muito maior, mais profundo. A gente está com várias universidades iniciando o ano com déficit nos seus orçamentos, cada vez menos dinheiro indo para pesquisa e não encontramos a solução para isso. E, arranjar uma solução consensualizada, que não é uma apresentação que você mostra para a galera, mas que você ouve os reitores, academia e Ministério da Economia, é muito difícil.

Nesse ponto, o Future-se (programa do MEC para as universidades que prevê uso de Organizações Sociais para, entre outras coisas, contratação de professores por CLT) é um debate que chegou na Câmara? Os reitores dizem que não foram ouvidos.

Não, não chegou na Câmara. Não chegou formalmente nem informalmente. Fica até difícil se posicionar, porque às vezes a gente fala alguma coisa e, no dia seguinte, dizem que é outra. Então, eu estou menos preocupada em ficar batendo ou aplaudindo em plenário e mais falar do que está posto, do que é oficialmente apresentado.

Inclusive a questão de como funcionaria as OS no projeto teve mudanças durante as apresentações do MEC.

Foi o que mais preocupou e com razão. É muito diferente você falar que vai ter uma OS externa dizendo para onde vai o dinheiro do que você falar que a fundação da própria faculdade pode virar uma OS. Aliás, hoje o professor (César Camacho, da FGV) estava me contando do IMPA. No caso deles, a própria instituição virou uma OS. Aí, é muito mais autonomia.

O IMPA é citado como um dos modelos a ser seguido.

Não é a toa que a mais próxima chance que chegamos do Nobel foi a medalha Fields, que veio do IMPA.

(A medalha Fields foi vencida pelo matemático do IMPA Arthur Avila em 2014)

Muito foi dito na época do (ex-ministro) Ricardo Vélez que você o derrubou do ministério devido a sua fala o questionando em plenário. Qual grande mudança você vê entre o Vélez e o atual ministro Abraham Weintraub?

A mudança foi muita, não necessariamente para melhor. A maior crítica que eu tinha ao Vélez era da desorganização. Foram três ou quatro meses, literalmente, de desmandos, polêmicas, aquela carta (que indicava o canto do hino nos colégios e a filmagem dos alunos) enviada às escolas e ninguém falando nada de Fundeb. Aquela grande fumaça, aquela grande confusão. Já o ministro Weintraub tem um poder de execução maior. O problema é que ele usa esse poder de execução para perseguir seus inimigos, para impor sua ideologia, para causar nas redes sociais. A crítica é um pouco diferente. Eu não via o Vélez com esse afinco tão grande no combate ao que Weintraub chama de marxismo cultural. Agora, independente da visão ideológica dele, a gente continua sem formação qualificada de professores, sem valorização e o debate do Fundeb está bem longe de ser finalizado e já estamos em outubro. Claro que tem a ver com a ausência do MEC, quem está debatendo o Fundeb hoje é o Ministério da Economia e a Secretária do Governo, não é o MEC.

Você acha que ele te vê como inimiga?

Eu tenho certeza que sim, pelas coisas que ele fala para os outros deputados. Mas, eu tenho bastante assuntos mais sérios para trabalhar e para focar. Acho que é bastante unilateral. Eu olho para ele como ministro da Educação e tenho uma excelente relação com todos os secretários. Sou muito bem recebida e levo sugestão. Não estou preocupada em ficar no plenário xingando fulano ou a mãe de não sei quem. Quando eu tenho uma dúvida, vou lá e levo uma pergunta e, depois, uma proposta.

E como está sua posição sobre a ideologia nas escolas e propostas como o Escola Sem Partido?

A questão do Escola Sem Partido que, diga-se de passagem, tem um nome genial de marketing porque nem eu, nem você e nem ninguém quer partido na escola, é muito complicada por muitas razões. A primeira é que é inconstitucional. O STF já foi na direção de dizer que não vai deixar concretizar. Segundo, porque ele é um instrumento para fazer política partidária. Não vejo isso nas comunidades onde eu ando. O que vejo é que falta professor, falta material e falta tudo. Nenhuma mãe da comunidade onde eu moro reclama sobre isso. Elas querem uma escola que dê chances para os filhos. Me preocupa, sim, que estamos fazendo política pública com relatos pessoais. Se alguém quiser fazer alguma política pública nessa direção, faça um estudo e me mostre. Eu não vou prejudicar o aprendizado de milhões de jovens porque alguém virou e falou que a tia falou que a sobrinha viu algo estranho na escola. Política pública não se faz baseado nisso. Se há irregularidade ou se há abuso a gente julga no caso específico.

Na sua palestra, você falou muito em mobilizar lideranças jovens. Você vê uma mudança nas representações? Você discutiu política em um auditório de uma universidade particular de elite com alunos oriundos de escolas públicas e com rendimento alto em Matemática.

Isso é maravilhoso.

Mas, não vejo você falando de representações como a UNE, por exemplo.

Olha, é difícil para mim falar porque esse não foi o modelo pelo qual me engajei na política. Nunca participei de um congresso da UNE, não sei nem como funciona para quem é estudante. Mas, não é porque não foi a maneira que eu me envolvi na política, que não vai ser válida. Discordo quando dizem que a UNE acabou. Só acho que novas formas estão surgindo. É dessa forma que a gente tira o monopólio de algumas pessoas ou de algumas organizações. É mais a ideia de surgir novos espaços do que acabar com outros. Tenho muito respeito pelo trabalho da UNE.

Você defende muito a formação qualificada de professores. Você está encaminhando alguma proposta nesse campo?

É a nossa maior dificuldade. É muito difícil falar de qualificação ou valorização dentro do Legislativo. Em Educação, os três níveis são realmente muito independentes. Não consigo fazer nenhum projeto. É a maior frustração que eu tenho, pois é pauta mais importante. Isso entra a questão do Fundeb, se a gente não der incentivo para os dirigentes estadual e municipal para investir em formação de professores e em dar resultados, vai continuar gente fantasiando no Congresso sem implementar nada.

Você afirma que está no meio do termo do debate sobre o Fundeb (principal fundo que financia a educação básica no país). Nem os 15% de complementação proposto pelo MEC, nem os 40% defendido pelos estados e municípios. Você já chegou em alguma proposta para o percentual e para metas na reformulação?

O valor que a gente vai chegar depende se a gente conseguir colocar na pauta a questão de incentivos (fiscais para colégios que melhorarem indicadores educacionais) ou não. Por quê? Tem um estudo que foi feito, e está circulando entre vários deputados, que mostra que acima de 15% você não tem um ganho, em termos de resultado, só pelo financiamento. Hoje a gente está com 10% de complementação. Para mim, 15% é o mínimo. Precisamos aumentar os recursos, mas só aumentar não adianta. Se a gente não conseguir colocar as metas (para as escolas), como é que eu vou defender o quanto a mais de dinheiro? 40% eu sei que não condiz com o orçamento atual. A gente aprovou um crédito para pagar o Bolsa Família e a aposentadoria agora. Quando eu tiver respostas se vai ter incentivo ou não, eu consigo me posicionar olhando os dados.

Inclusive o caráter permanente ou provisório do Fundeb?

Tem que ser permanente com revisão a cada cinco anos. Tem um grupo de deputados que está criando consenso sobre algumas coisas e incentivo é uma delas. A gente vai ter uma reunião com a relatora para mostrar essa fala, também vamos mostrar um meio do caminho entre 15% e 40% e a questão da permanência. É importante a questão da revisão pois muda muito a quantidade de jovens na escola, mas também não justifica colocar na Constituição. Tem que ser política de estado.

Fonte: O GLOBO

Raphael Kapa

23/10/2019 – 08:12 / Atualizado em 23/10/2019 – 08:27