País forma mais professor em área carente do ensino

Matérias como química e física têm alta de 84% dos formandos desde 2002

No mesmo período, o número de estudantes no ensino médio ficou estável; MEC diz que situação ainda é ruim

Dados inéditos do Ministério da Educação mostram que cresceu 84%, em sete anos, o número de universitários formados em cursos para lecionar nas matérias mais carentes de docentes no ensino médio (física, química, biologia e matemática).

No mesmo período, o total de estudantes no antigo colegial ficou estável. O volume de novos formados nas licenciaturas, porém, é insuficiente para acabar com o deficit.

Segundo o MEC, 39,8 mil universitários conseguiram o diploma em uma das quatro licenciaturas no ano passado -o resultado completo do Censo da Educação Superior será divulgado em breve.

O contingente é bem inferior aos 100 mil docentes sem formação específica que atuam nessas quatro disciplinas do ensino médio.
Em física, por exemplo, se formaram 2.000 alunos no ensino superior em 2009, mas 33 mil docentes estão improvisados no antigo colegial.
O ministério reconhece que a formação de professores precisa melhorar, mas acredita que os novos dados mostram avanços, uma vez que há oferta maior de profissionais para contratações.

A pasta cita como ações que contribuíram para o aumento de concluintes a adoção de bolsa de R$ 400 aos alunos de licenciaturas e o piso nacional do magistério, que começou com R$ 950 no ano passado, mas sofre resistência de alguns Estados – o valor pode servir de estímulo para conclusão do curso.

“APAGÃO”
Já o secretário-executivo da Andifes (representante das universidades federais), Gustavo Balduino, aponta mudanças dentro das universidades. Uma delas foi a inclusão de aulas de revisão de conteúdos básicos aos ingressantes nas licenciaturas.

Estudos mostram que os interessados no magistério tendem a ser alunos com notas baixas. “Buscamos diminuir a evasão nesses cursos, que era grande”, afirma. Ele diz que houve também aumento no auxílio para moradia e alimentação.

O ensino médio do país vive um “apagão”, segundo o próprio governo. Faltam docentes, boa parte dos jovens não frequenta o colégio e as notas dos alunos são baixas. A situação causa deficit de mão de obra qualificada.

“O aumento de licenciados é positivo. Mas é preciso ver se eles vão para a escola pública”, diz o presidente da ONG Todos pela Educação, Mozart Neves, docente da Universidade Federal de PE.

“Aqui na universidade, a maioria prefere ir para o mestrado, com bolsa de R$ 1.300, a ir lecionar na rede pública, que paga R$ 1.000”, afirma.
Para Neves, a carência de docentes no ensino médio só será resolvida quando o magistério tiver melhores salários e condições de trabalho. Os números do censo obtidos pela Folha não contêm dados de todos os anos. Em outras bases, o volume de concluintes nas licenciaturas foi parecido em 2008 e 2009.


Apesar do aumento de universitários formados em licenciaturas, os dados do próprio Ministério da Educação indicam que esse contingente de novos graduados ainda não chegou às escolas.

De 2007 a 2009, a proporção de professores que leciona três disciplinas ou mais no ensino médio subiu de 7% para 21,5% do total do magistério, segundo o último Censo Escolar, divulgado em novembro do ano passado.

O improviso é reflexo da falta de professores. Quando não há docentes em uma disciplina, a legislação permite que professor de outra matéria assuma a aula -a situação deveria ser emergencial.

O Ministério da Educação entende que, com um volume maior de universitários formados, a situação tende a melhorar nos próximos anos.
Enquanto isso, repetem-se casos como o de Antonio David Gouveia Sabino dos Santos, 34. Formado em biologia, ele já lecionou nove matérias diferentes em Pernambuco, cinco simultaneamente. Passou por matemática, ética e até educação física.

Santos aproveitava a carência de docentes nas redes para assumir as aulas e aumentar a renda. “No início, é até possível conciliar, mas depois não consegue. Professor tem de estudar, preparar as aulas, senão o nível cai.”

Quando dava cinco matérias, precisou tomar antidepressivos. Hoje, Santos leciona matemática e ética.

“É temerário que 20% dos professores deem tantas disciplinas. Diminui a qualidade”, diz Ocimar Alavarse, pesquisador da USP. Estudo divulgado no ano passado pelo Ministério da Educação mostrou que apenas 25% dos professores de física tinham formação na área; em química, eram 38%.

Os números indicam que o improviso pode ter impacto na qualidade do ensino. Entre os dez Estados com as maiores proporções de docentes com várias disciplinas, apenas um tem nota acima da média no Ideb.

SEM IMPROVISO
No outro extremo de notas, o colégio particular Vértice (SP), o melhor do Brasil no Enem, só tem um docente que leciona mais de uma matéria (filosofia e sociologia). “O pontapé para a boa aula é o professor saber o conteúdo. Com uma disciplina só, o professor já fica com a língua de fora”, diz Adilson Garcia, um dos diretores.

Para Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação, a carência de docentes na rede pública só acabará quando o magistério tiver salário semelhante ao dos demais segmentos. Já o educador João Batista Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, defende total remodelação do ensino médio, que passe a ter dois formatos. Um profissionalizante e outro mais acadêmico. (FÁBIO GUIBU FÁBIO TAKAHASHI)

Ainda dá tempo de tirar o ensino médio da UTI


Na maioria dos países os sistemas educacionais estão passando por uma revisão.

Espera-se que ele prepare os jovens para o trabalho, para a independência econômica, para que possam viver no ambiente familiar e comunitário respeitando a diversidade cultural de uma sociedade em constante transformação.

No Brasil, os governos proclamam que a educação é prioritária. Proclamação demagógica e enganosa. Os índices e pesquisas revelam a baixa qualidade na área.

Foquemos o ensino médio. Os jovens nessa fase vivem um dilema: Conquistar vaga na universidade ou lugar no mercado de trabalho? O ensino médio é constituído por uma overdose de disciplinas e tem alta taxa de evasão, talvez por não ser atrativo. Mas o ponto central é a figura do professor.

Um relatório recente do Conselho Nacional de Educação alerta para uma ameaça que paira sobre o ensino médio: a possibilidade de um “apagão” de professores, com um deficit de 245 mil profissionais, especialmente das disciplinas de química, física, matemática e biologia.

Para complicar o quadro, dados do Censo Escolar mostram que dos 461.542 professores do ensino médio brasileiro apenas 228.625 (49,5%) ministram uma só disciplina.

Talvez seja a hora de repensar o ensino médio não com um foco na informação mais sim na sistematização e utilização do conhecimento em um cenário de exercício permanente do pensamento.

A articulação entre o ensino médio e a formação técnica certamente deve fazer parte da revisão. Nenhum sucesso será alcançado se não valorizarmos o professor, o que implica em uma formação inicial de qualidade, uma formação continuada, salário digno, valorização da carreira e condições de trabalho. Ainda há tempo, adotando as medidas corretas, de tirar o ensino médio da UTI.

ISAAC ROITMAN é coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência