Pesquisadores, servidores e estudantes defendem ministério exclusivo e política de Estado para CT&I

Três décadas após a criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a sociedade brasileira compreende o valor do investimento no setor para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Uma política de Estado, aliada ao esforço coletivo, aumentou exponencialmente a capacidade de produção científica, e essa história de conquistas não pode sofrer retrocesso.

Movidos por essa convicção, manifestada pelos organizadores e pelos oradores, cerca de 300 pessoas participaram no início da tarde de hoje, no gramado em frente à Reitoria, no campus Pampulha, de ato contra a fusão do MCTI com o Ministério das Comunicações.

O ato teve participação de dirigentes e ex-dirigentes da Universidade, professores, técnicos e estudantes e apoio de entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). A nota divulgada na última segunda-feira, 6, pelo Conselho Universitário da UFMG, que classifica de “grave retrocesso” a fusão dos ministérios, foi lida na abertura da manifestação.

Ao falar “como cidadão, docente e reitor”, Jaime Ramírez afirmou que a comunidade da UFMG deve deixar clara sua indignação contra uma decisão “inaceitável” e defendeu uma política de Estado para a ciência e tecnologia “forte e de longo prazo, que atenda aos interesses do país”.

O reitor disse que a Universidade deve se posicionar a favor de avanços conquistados também em áreas como educação, saúde e cultura. “Precisamos estar preparados para indicar nossa contrariedade com relação a essa nova configuração e resistir, seja como for”, afirmou Ramírez.

A vice-reitora Sandra Goulart Almeida também ressaltou o papel da UFMG como foco de resistência. “Não podemos abrir mão de valores como os que têm gerado avanços e contribuir para um movimento unificado que leve à recriação do MICT, que deve ganhar cada vez mais relevância, como promotor de desenvolvimento, cidadania e inclusão”, disse.

‘Coisas que não se misturam’

O professor Ronaldo Pena, reitor na gestão 2006-2010 e hoje à frente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), lembrou que não se faz desenvolvimento sustentável sem inovação tecnológica. “Não se deve misturar coisas que não se misturam, como comunicações e ciência tecnologia e inovação. O MCTI tem sido gerido por pessoas com trajetória acadêmica, como José Israel Vargas e Clélio Campolina; não é lugar de barganhas políticas. É fundamental que nos articulemos para reverter a situação criada pela fusão dos ministérios”, enfatizou.

Vice-reitora na mesma gestão, Heloisa Starling, do Departamento de História, citou o filósofo Paul Valéry – “construir exige obediência aos mais belos pensamentos” – para sentenciar que “nosso ato de construir está em perigo”. Segundo ela, o MCTI tem sido espaço de diálogo entre formas distintas de conhecimento – envolvendo humanidades, artes e tecnologia de ponta – e, da mesma forma, na UFMG, a ciência não é dissociada do humano. “Uma república em que a ciência não tem valor não tem espaço para a tolerância e a solidariedade”, declarou.

Precedido de coro de “Fora, Temer”, que se repetiria em outros momentos, o professor do Departamento de Matemática Israel Vainsencher, representando também a ABC, mencionou o “cerco midiático que nos faz discursar apenas para nossos próprios umbigos” e criticou outros atos do governo provisório, como mudanças na Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e corte de verbas para blogs independentes.

A diretoria do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Andrea Mara Macedo, classificou a extinção do MICT como “golpe de misericórdia”, após cortes de recursos que afetaram recentemente pesquisa e inovação. “Precisamos estar mobilizados e continuar pressionando”, defendeu Andrea. Assim que ela terminou de falar, alunos do ICB fizeram breve performance em prol dos direitos humanos e da democratização do acesso à universidade.

Progresso
“Os dois ministérios são excludentes entre si, têm missões muito diferentes”, disse, ao criticar a fusão, o professor Eduardo Mortimer, da Faculdade de Educação, que representava também a SBPC. Ele fez referência à melhoria da posição do Brasil no ranking de produção científica: em três décadas, o Brasil subiu da 21ª para a 13ª posição e aumentou em quase sete vezes sua produção. “O MCTI foi um dos responsáveis por esse progresso.”

Em nome da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a professora Eli Iola Andrade, da Faculdade de Medicina, reproduziu posição de programas de pós-graduação nessa área pelo compromisso com a pesquisa, a produção de conhecimento, a formação de recursos humanos e a integridade do Sistema Único de Saúde (SUS). O diretor do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Waldemar Macedo, destacou que o setor de ciência e tecnologia não pode ser instrumento de barganha e que é preciso “perseverar” na defesa da manutenção do MCTI.

‘Queremos mais’
As entidades que representam estudantes, técnico-administrativos e professores também fizeram uso do microfone. Isabela Mendes, da diretoria recém-eleita do DCE, garantiu apoio da entidade ao movimento “contra retrocessos e pelos direitos sociais”. “Não queremos menos ciência, tecnologia e inovação. Queremos mais”, disse a estudante.

A coordenadora do Sindifes, Cristina Del Papa, manifestou apoio ao ato de iniciativa de pesquisadores contra a fusão dos ministérios, chamou a atenção para projeto de lei que contém medidas prejudiciais aos servidores federais e pregou a defesa “da educação e da universidade pública, de qualidade”. Representante da Apubh, o professor Armando Neves exaltou a união dos diversos segmentos contra o que também classificou de retrocesso. “Devemos nos espelhar nos artistas, que conseguiram a recriação do Ministério da Cultura. E promover outros atos como este, tantos quantos forem necessários.”

A professora Rita Marques, coordenadora da Rede de Museus da UFMG, empenhou apoio da Sociedade Brasileira de História das Ciências. Clélio Campolina, reitor na gestão 2010-2014 e ex-titular do MCTI, enviou mensagem em que defendia “esforço urgente e consistente” em ciência, tecnologia e inovação, sem o qual “o futuro do país estará comprometido”, e se disse angustiado com com a “decisão de atrofiar as funções do Ministério”.

O professor Tarcisio Mauro Vago fechou o ato lembrando que a UFMG sempre combateu e criticou governos, “todos eles, quando necessário”. “A Universidade, como patrimônio público, se posiciona em defesa da sociedade”, disse.