Petrobras “poupa” R$ 736 mi em pesquisa

Auditoria revela que estatal não investiu verba obrigatória em inovação; empresa precisa apresentar projetos até 2014

Lei determina que 1% da receita de campos de petróleo vá à pesquisa; governo federal diz que inovação é prioridade

DE BRASÍLIA
Enquanto divulga sua intenção de gastar R$ 1,4 bilhão em institutos e universidades até 2014, a Petrobras deixou de investir R$ 736 milhões em pesquisa e desenvolvimento tecnológicos entre 1998 e 2004, segundo auditoria da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

O valor retido corresponde a 60% da obrigação assumida pela Petrobras na assinatura dos contratos de exploração de petróleo. Pela legislação, os investimentos no período deveriam ter sido de R$ 1,231 bilhão.

O modelo dos contratos, que hoje está sendo revisado, determina que a concessionária reverta 1% da receita bruta da exploração de campos de petróleo de alta produção em pesquisa e desenvolvimento. É a chamada “participação especial”, tributo adicional aos royalties.

Após a auditoria, concluída há dois meses, a ANP atualizou os números e intimou a empresa a apresentar um plano para zerar a diferença até 2014.

Com o crescimento da produção de petróleo, subiram também os compromissos da empresa com esses dispêndios. Conforme a ANP, no período 1998-2010, a conta alcança R$ 5,1 bilhões.
A auditoria da ANP é revelada no momento em que o governo diz que investir em inovação será prioridade para fugir da “doença holandesa” -perda nas exportações de maior valor agregado pela valorização da moeda com aumento nas exportações de produtos básicos.

Em nota, a Petrobras informou que aumentou o volume de investimentos e já apresentou à ANP um plano para regularizar a situação.

Também por nota, a ANP diz que “ocorreu um aumento substancial dos investimentos, abrangendo projetos de pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura”, mas os gastos não foram validados pela agência.

Na análise do consultor David Zylberstajn, ex-presidente da ANP no governo FHC, no momento da assinatura de contratos de exploração os concessionários “prometem tudo”, mas a Petrobras vem ampliando seus investimentos na tecnologia, pelos desafios do pré-sal.

“A ideia era criar tecnologia nacional, evitar que grupos estrangeiros apenas tropicalizassem a tecnologia de fora. Mas o pré-sal é um mundo novo”, diz Zylberstajn.

Esse desencontro das contas decorre também da falta de clareza da própria legislação sobre como gastar o dinheiro dessa fonte, diz o professor Claudio Mota, da UFRJ e presidente da ABPG (Associação Brasileira de P&D em Petróleo e Gás).

“Faltam as regras que as empresas devem seguir quando investem nas instituições”, afirma Mota.

O pesquisador Afonso Avelino Dantas, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), diz que a Petrobras tem parte de razão, mas não toda. “Quando as portas foram abertas, a universidade se modificou totalmente. Quando apareceu a oportunidade, fomos atrás e encampamos.”

OUTRO LADO

Universidades tinham gargalos, afirma estatal

DE BRASÍLIA
A Petrobras diz que já apresentou à ANP um relatório que demonstra haver um saldo de R$ 300 milhões em relação aos investimentos que deveria ter realizado até sete anos atrás.

No plano, a companhia estabelece um cronograma que acabaria com o atraso em no máximo dois ou três anos, segundo Carlos Tadeu da Costa Fraga, gerente-executivo de P&D da empresa.

Desde 2006, a empresa alega ter aplicado R$ 350 milhões anuais, valor que subiu para R$ 530 milhões desde 2009. “No período anterior [até 2005], tivemos dificuldade de fazer os investimentos porque não havia sequer infraestrutura experimental nas universidades que pudesse fazer frente a esse investimento. De 2006 para cá, o quadro mudou”, diz Fraga.

O ponto de partida, conforme o executivo, foi a permissão da ANP para que a empresa passasse a construir laboratórios em universidades e institutos de pesquisa.

“Criamos laboratórios com quatro vezes a área do nosso centro de pesquisa, que é o maior do hemisfério sul. Antes, enfrentamos a dificuldade que foi a inexistência de laboratórios e recursos humanos adequados para receber esses investimentos.”

Segundo Fraga, a empresa conseguiu, em conjunto com os núcleos de pesquisadores, identificar as carências do país.

“Temos hoje vários laboratórios que estão entre os melhores do mundo em suas áreas. A maior parte dos gargalos está equacionada.”

ANÁLISE

Peso da lei não é suficiente para fazer engrenagem da inovação funcionar

Uma determinação legal que define quanto deve ser aplicado em pesquisa pode não ser suficiente para fazer a engrenagem da inovação funcionar.

Em 1998, o Brasil formava cerca de 4.000 doutores por ano, sabidamente a principal mão de obra que move a pesquisa. Isso equivale a aproximadamente um terço do que se forma hoje.

Talvez não teria adiantado investir pesado em infraestrutura para pesquisa no final da década de 1990 se faltavam cérebros para tocar os trabalhos adiante.

Além disso, o marco legal voltado à inovação no setor produtivo é posterior ao período analisado pela ANP. Aqui estamos falando da Lei de Inovação (2004) e da Lei do Bem (2005). Essas leis levaram o conceito de inovação às empresas e facilitaram um pouco as parcerias.

Apesar de estar “devendo”, a Petrobras anunciou que quer colocar R$1,4 bilhão até 2014 em parcerias para desenvolver tecnologias para o pré-sal. Isso equivale ao dinheiro que o governo injeta hoje para manter uma Unicamp por ano.

É provável que, agora, a Petrobras consiga fazer esse investimento monstruoso, pois o cenário para inovação melhorou. Mas a pesquisa no setor produtivo ainda patina.

Perdura nos gestores do país a visão de que investir em pesquisa significa gastar a fundo perdido. As metas das empresas para inovação ainda não são claras nos seus planos de negócios.

Promover pesquisa e desenvolvimento à base da chibata da regulação e da cenoura dos benefícios fiscais pode não ser exatamente o melhor caminho.

Aos trancos e com falhas, a Petrobras tem feito sua parte. Resta saber se seus parceiros -as burocráticas universidades e institutos de pesquisa- também farão um esforço.