Porque não fui nomeado reitor da UFSCar – Por Adilson de Oliveira

Sou, desde a última sexta-feira (15/1), reitor eleito e não nomeado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Nossa universidade agora integra lista com 21 nomeações em desrespeito à autonomia universitária desde o início da presidência de Jair Bolsonaro.

A UFSCar foi pioneira na adoção de lista tríplice formada apenas por integrantes da chapa mais votada pela comunidade universitária, em consulta paritária que elege uma equipe de gestão, não apenas os líderes de Reitoria e Vice-Reitoria. A estratégia foi formulada ainda no período da Ditadura Militar, para proteger a Universidade de pessoas antagônicas e não comprometidas com o futuro escolhido para a Instituição. Tristemente, ela precisou cumprir este papel neste novo momento de graves ataques à democracia – e à vida, nunca é demais lembrar.

Nossa decisão de aceitar a nomeação de Ana Beatriz Oliveira, segunda colocada na lista tríplice encaminhada (eleita pela comunidade universitária para a Pró-Reitoria de Extensão), visa impedir a nomeação de um interventor, que certamente aconteceria se ela não se colocasse à disposição da Universidade. Registro minha admiração por sua generosidade e sua coragem, meu apoio total ao aceite de sua nomeação e o caráter coletivo da opção por este caminho. Registro, também, minha certeza de que Ana Beatriz, junto com a brilhante e unida equipe que montamos, está preparada para enfrentar o imenso desafio e liderar a concretização do projeto eleito. Se foi para que não se tornassem realidade a democracia, a inclusão e a excelência deste projeto que Bolsonaro escolheu nomear Reitora uma jovem docente, no lugar do Reitor eleito mais experiente, eu sei o quanto se equivocou.

Sei, também, que esta não foi a única razão. Na minha trajetória, além da experiência como professor e pesquisador, fui gestor em diferentes ocasiões e Vice-Reitor vinculado a uma equipe que Bolsonaro, mais uma vez equivocadamente, identifica com um partido. Além disso, é sabido que, diferentemente de projetos coletivos como o nosso, o atual governo opera de tal modo que um indivíduo completamente inadequado ao cargo que ocupa pode acordar um dia e atirar no lixo a construção que centenas de pessoas empreenderam ao longo de meses, às vezes anos e décadas, simplesmente porque precisava atingir a cota de maldades, não vai com a cara de alguém ou torce para outro time de futebol.

Sobretudo, quero lembrar que são conhecidos meu compromisso e a atuação incansável na disseminação do conhecimento científico e enfrentamento do obscurantismo, para fortalecimento de uma cultura científica que entendo imprescindível ao desenvolvimento humano, à equidade, à liberdade e à democracia plena. Do outro lado, temos o negacionismo do atual governo federal, os ataques à Ciência, suas instituições e seus atores, sustentando práticas que, como dito, vêm destruindo a vida de tantos brasileiros e brasileiras.

Mais uma vez erra Jair Bolsonaro ao acreditar que me parou, ou calou. Agora, mais que antes, sei da minha missão, que sigo cumprindo com orgulho e ainda maior motivação.

Sigo à disposição da Reitora empossada e de nossa equipe, bem como da comunidade universitária que, representada no ConsUni, deve refletir e tomar decisões importantes nos próximos dias. O exemplo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), usurpada do direito de empossar seu Reitor eleito em situação análoga à nossa, tem trazido questionamentos sobre uma gestão compartilhada. No entanto, há distinções, e minha convicção é que atuar diretamente no dia a dia da gestão dificultará a pavimentação deste novo caminho que a decisão arbitrária, autoritária e irresponsável do presidente da República nos obriga a seguir.

Assim, comprometeria justamente a realização do projeto cuja defesa é, para mim, compromisso inexorável.

Seguimos buscando reverter o ataque sofrido pela UFSCar e, mais que isso, ao lado das demais instituições do Sistema Federal de Educação Superior na luta em defesa da autonomia. Mas Ana Beatriz Oliveira será, a partir de hoje, a Reitora da UFSCar, e precisa do apoio de toda a comunidade neste difícil papel que, generosa e corajosamente, aceitou desempenhar. Ela terá o meu apoio sempre que precisar.

Neste novo cenário, vejo que continuar e intensificar minha atuação como cientista, produtor e também disseminador e semeador de novos conhecimentos, é minha maior e melhor contribuição à transformação que queremos ver e faremos acontecer na UFSCar e no Brasil, contrariando todas as expectativas daqueles que acreditam ter nos paralisado.

Não me movo nem um milímetro da minha posição em defesa da UFSCar, da universidade pública, gratuita, diversa e inclusiva, do conhecimento e, sobretudo, da democracia. Nunca esquecerei, tampouco deixarei ser esquecido, o duro golpe à autonomia e à democracia vivido pela nossa instituição.

Mas é preciso mudar o lugar da minha ação e minha inserção na nossa luta. É necessário abrir espaço ao início de uma nova gestão na UFSCar que, ainda que precise ser liderada por outro gestor que não o eleito, segue sendo a gestão do projeto escolhido pela comunidade universitária. E é urgente partir à conquista de muito mais terreno fértil à razão, ao conhecimento, ao compromisso com a verdade e à construção de um outro mundo possível em oposição à mentira, à violência e à destruição que vimos testemunhando na nossa universidade e no País.

Contem comigo.

Adilson Jesus Aparecido de Oliveira é professor titular e foi o primeiro colocado na consulta para reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Artigo originalmente publicado no Jornal da Ciência