É preciso restaurar a credibilidade do Enem, artigo de Arthur Roquete de Macedo

O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), desde sua criação, em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica, vem crescendo e aumentando sua relevância para a educação e para a sociedade brasileira.

Concebido e implantado como um processo confiável para a avaliação da qualidade do ensino médio e fundamentado em cinco eixos cognitivos principais -1) domínio das linguagens; 2. compreensão de fenômenos; 3. enfrentamento de situações-problema; 4) construção de argumentação sólida; 5) elaboração de propostas coerentes-, o exame ganhou notoriedade no seio da sociedade.

Imediatamente a seguir, passou a ser utilizado no discutível ranqueamento das instituições de ensino médio brasileiras.

Em razão de sua pertinência, da qualidade da metodologia empregada em sua elaboração e da ampla divulgação realizada pelos órgãos de imprensa, tornou-se um dos principais referenciais das famílias brasileiras no processo de eleição de colégios para a matrícula de seus filhos.

Um segundo degrau na escalada para a ampliação do prestígio do Enem foi vencido no momento em que passou a ser utilizado pelo ProUni como critério para o ingresso na educação superior, medida essa de largo alcance social.

Mas o passo decisivo para que esse exame se tornasse um instrumento fundamental no processo de construção da avaliação da educação brasileira e um ícone na escala de valores da sociedade dentre as diretrizes a serem seguidas na construção do futuro dos jovens brasileiros foi dado quando passou a ser utilizado como um dos mecanismos de acesso ao ensino superior e, particularmente, às disputadas vagas das universidades públicas em seus mais concorridos cursos.

A partir desse momento, em razão de sua importância e dos interesses envolvidos, o Enem, de um instrumento de avaliação, se transformou em um mecanismo democrático de acesso à educação superior, de inclusão no mercado de trabalho e de ascensão social.
Dentro dessa nova perspectiva, a concepção, a preparação e a aplicação do exame passaram a ter uma dimensão nova e uma amplitude significativamente maior, com forte impacto socioeconômico.

Os cuidados com o planejamento operacional e a segurança do sistema responsável pela elaboração do exame necessariamente teriam de ser reforçados, e sua execução, tratada dentro de uma logística irrepreensível.

Na atual conjuntura, o MEC (Ministério da Educação), que tem promovido uma série de avanços importantes no processo de avaliação, acompanhamento e regulação do sistema educacional brasileiro, subestimou as dificuldades a serem enfrentadas e colhe agora os frutos dessa avaliação superficial.

Os problemas com a aplicação do Enem 2009, que culminaram com a quebra do sigilo do exame, já haviam sido detectados pelas dificuldades encontradas na logística para a definição de locais do exame e na realização desses exames para 4,1 milhões de estudantes inscritos em 1.829 municípios brasileiros.

O prejuízo do malogro da aplicação da prova não se restringirá aos cerca de R$ 30 milhões de perda financeira anunciada, mas principalmente se evidenciará no abalo da credibilidade do Enem.

Sinal inequívoco dessa provável perda de credibilidade é o resultado de levantamentos de opinião realizados por diferentes fontes mostrando que mais de 80% dos pesquisados indicam perda de confiança na próxima prova do Enem.

Para ser restaurada a confiança depositada no exame, será necessária, nos próximos anos, a realização de um trabalho competente e exaustivo por parte do MEC, o qual deverá ser iniciado com a apuração dos responsáveis pelo vazamento do conteúdo da prova deste ano, acertadamente cancelada.

O MEC está agindo com a urgência necessária e os cuidados devidos, mas é imprescindível que os próximos passos sejam dados com segurança e sem açodamento.

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO , 66, é professor emérito da Faculdade de Medicina da Unesp e ex-reitor dessa universidade, membro da Academia Brasileira de Educação e presidente do Instituto Metropolitano da Saúde – FMU.

Folha de São Paulo, 08/10