É preciso tempo para esclarecer as dúvidas, artigo de Roberto de Souza Salles, reitor da UFF

Muitas dúvidas ainda pairam desde que o ministro Fernando Haddad apresentou aos reitores, na sede da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em Brasília, o modelo de unificação dos vestibulares das universidades federais. A proposta, à primeira análise, parece muito boa, mas é diferente uma ideia boa de uma ideia aplicável imediatamente.

Com o novo modelo do Enem, são levantadas questões de segurança, da mobilidade, da escolha de instituições e cursos, cumprimento do cronograma de implantação de mudanças, dentre outras.

Como assegurar mecanismos de segurança para milhões de candidatos? A prova será aplicada em centenas de cidades; se houver problema em um município, todo o processo será prejudicado. Até então, o Enem era uma prova avaliativa; desta forma, a sociedade, a Justiça, a imprensa, o Ministério Público a veem de uma maneira, mas a partir do momento em que esta prova for para selecionar candidatos para vagas em um grande número de universidades públicas, a cobrança será muito maior.

Quanto à mobilidade, o caráter nacional que se quer dar ao concurso só agravará a exclusão das camadas menos favorecidas ao acesso às instituições federais de ensino superior (Ifes), uma vez que os candidatos oriundos das regiões Sul e Sudeste, que normalmente apresentam os melhores desempenhos na prova do Enem, irão ocupar as vagas nas Ifes das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Isso não tiraria as oportunidades dos candidatos daquelas regiões? Portanto, a alegada mobilidade poderá ocorrer na mão inversa à pretendida pelo MEC.

As universidades, inclusive a Universidade Federal Fluminense (UFF), vêm ao longo do tempo aperfeiçoando os seus processos seletivos de acesso aos seus cursos de graduação. No caso da UFF, a prova é temática com marcante característica de interdisciplinaridade com temas da atualidade, além de provas discursivas, servindo, inclusive, de referência para outras instituições. Portanto, não podemos aceitar declarações de que as provas dos atuais vestibulares são constituídas de “decorebas” e “pegadinhas”.
   
Temos uma experiência de sucesso de inclusão social baseada na carência socioeconômica do candidato e também quanto ao seu mérito. Somos a primeira universidade federal do Estado do Rio de Janeiro a oferecer um sistema de bônus. Há dois anos, o vestibular da UFF bonifica com 10% na nota final o candidato egresso de escola pública estadual ou municipal que tenha logrado classificação para a 2ª etapa do concurso, e 20% das vagas nas licenciaturas em Biologia, Física, Química e Matemática são para professores do ensino fundamental.

Caráter nacional pode agravar a exclusão das camadas menos favorecidas

Ao analisar, por exemplo, o número de estudantes oriundos de escolas públicas nos cursos mais concorridos da universidade, registramos, nos últimos dois anos, um considerável aumento, porém mais expressivo é sair de um patamar de zero para receber cerca de 15 alunos em Medicina. Em Direito, sair de um patamar de dois alunos para 16. Em Odontologia, de zero para 10% das vagas preenchidas. Esse critério do vestibular da UFF está fazendo diferença, principalmente em cursos com maior número de candidato/vaga, como também em Comunicação Social, Relações Internacionais, Veterinária, as Engenharias. Isso é valorizar o mérito desses alunos, isso é inclusão social.

O termo de referência sobre o “Novo Enem e seleção unificada” que o MEC enviou à Andifes, na última quarta-feira, não extinguiu todas as dúvidas, estas continuam. Assim, precisamos de tempo para refletir sobre esse novo modelo de acesso às universidades federais. 

Reitor Roberto de Souza Salles (UFF) – Jornal do Brasil, 11/04