Pressionada pela bancada religiosa, Dilma suspende a produção do Kit Gay

Pressionada pela bancada religiosa, presidente Dilma suspende a produção do material anti-homofobia que seria usado nas escolas. A decisão surpreende o MEC e provoca reação da secretária de Educação Básica, que protestou contra o “tempo das trevas”

A pressão das bancadas religiosas no Congresso Nacional foi fundamental para que a presidente Dilma Rousseff determinasse, ontem, a suspensão da produção do material anti-homofóbico que seria distribuído a escolas da rede pública de ensino. De responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), o kit composto por um caderno destinado aos educadores e vídeos sobre o tema tinha como destino 6 mil escolas públicas do ensino médio. No entanto, depois de assistir às imagens, na noite de terça-feira, a presidente Dilma Rousseff considerou o conteúdo impróprio. O MEC não se manifestou oficialmente sobre a proibição da circulação do conteúdo. Lideranças ligadas à causa gay consideraram a medida um retrocesso.

“Não se trata apenas de uma posição de aparência, mas a própria presidente tem as suas convicções e acha que se trata de um material inadequado. Ela determinou, antes da (minha) conversa com os evangélicos, que esse material não circulasse oficialmente”, justificou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, que se reuniu, ontem, com a bancada evangélica. Na noite de terça, parlamentares das bancadas evangélica, católica e da família se reuniram e decidiram obstruir os trabalhos no Legislativo e apoiar a criação de uma CPI para investigar o MEC caso o kit gay fosse mantido.

“O ministro da Educação descumpriu a promessa de que o material seria divulgado apenas depois que todos vissem o conteúdo, feita diante de 40 parlamentares há algumas semanas. Os vídeos vazaram”, afirmou Anthony Garotinho (PR-RJ), referindo-se à publicação das imagens na internet. Diante do rebuliço no Congresso, a presidente Dilma pediu que Gilberto Carvalho chamasse as bancadas para conversar. Nesse encontro, o governo declarou ter suspendido a distribuição do material, determinação que acabou pegando o MEC de surpresa.

Uma emenda parlamentar destinada ao MEC, no valor de R$ 1,8 milhão, foi utilizada para a campanha contra a homofobia. O material completo inclui um caderno, seis boletins, três vídeos, um cartaz e cartas de apresentação. A análise e a impressão do kit era a última etapa do projeto. Entre as ações já realizadas estão cinco seminários, que reuniram profissionais de educação, gestores e representantes da sociedade civil; e uma pesquisa qualitativa, com 1.406 participantes, sobre a homofobia na comunidade escolar em 11 capitais. Resultados preliminares da pesquisa foram divulgados em agosto do ano passado. O projeto, apoiado pelo MEC, foi planejado e executado por organizações não governamentais, entre elas a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGBLT).

Com a suspensão da distribuição do kit, o MEC não soube informar de que forma o debate em torno do assunto será feito a partir de agora. A secretária de Educação Básica da pasta, Maria do Pilar Lacerda, comentou a decisão em seu twitter. Por volta das 15h de ontem, ela escreveu que estávamos no “tempo das trevas”. Em seguida, Pilar disse que seus comentários não eram voltados à decisão de Dilma, mas à investida da bancada evangélica. “Eu estou criticando a reação conservadora de setores do Legislativo. Não teve veto da presidenta ao kit porque sequer está divulgado”, explicou, na internet. A assessoria do MEC informou que a pasta não iria comentar a reação de Pilar, pois se tratava de uma declaração pessoal. Sanções à secretária também não foram anunciadas.