Primeira reitora da UnB diz apostar em diálogo e agilidade para melhorar gestão

Neste sábado, a professora e ex-diretora do Instituto de Geociências Márcia Abrahão completa dez dias como a primeira reitora da Universidade de Brasília (UnB). Em entrevista ao G1, a mulher escolhida por professores, alunos e servidores para comandar a UnB até 2020 afirma que pretende ser reconhecida pela eficiência na gestão e pelo diálogo com a comunidade acadêmica.

“Quando abre-se a conversa com os estudantes, podemos explicar as condições e eles, apresentar as demandas, como em uma família. Mas será preciso trabalhar de forma ágil. O diálogo tem que existir, mas não pode atrapalhar a eficiência do trabalho.”

Questionada, Márcia diz que não enxerga a questão de gênero como algo preponderante para a sua eleição. Na primeira vez em que se candidatou ao cargo, em 2012, a professora chegou ao segundo turno, mas foi derrotada por Ivan Camargo.

“A questão de gênero, claro, é muito significativa, mas acho que não é primordial. A universidade está bastante amadurecida”, afirma.

Nos anos 1980, Márcia foi estudante de graduação na UnB. Passados 30 anos, a nova reitora diz se lembrar de candidatas à reitoria, naquela época. “Neste caso específico, independe ser homem ou mulher. Acho que não foram eleitas, não por serem mulheres, mas porque a comunidade escolheu outro caminho.”

Apesar de não ver uma bandeira feminista na própria eleição, Márcia diz que há uma necessidade permanente de debater o tema entre estudantes e a comunidade de Brasília. Durante a campanha, o assunto não chegou a ser pautado.

“Eu fiz questão de não fazer esse tipo de discurso, porque acho que separa mais do que une. Fica essa discussão de mulher versus homem, que acho que não contribui. É importante ressaltar o fato de ser mulher para discutir outras pautas dentro da universidade. Eu tenho a minha experiência, as dificuldades que passei para chegar onde cheguei”, diz.

O grupo de sete decanos apontados por Márcia também chama a atenção, na comparação com gestões anteriores – são seis mulheres e um homem negro.

“Escutei muito, vi muitos currículos, ouvi muitas pessoas. Esta não é uma decisão monocrática. Algumas [decanas] já trabalharam comigo, então, eu sabia das capacidades. […] O decanato tem muita mulher, mas não por serem mulheres, mas porque tem histórias, respondem ao critério do mérito”, afirma.

Currículo forte

Como professora da UnB, Márcia foi responsável pela expansão dos cursos oferecidos pela universidade no Reuni. Também ajudou a expandir a oferta nos campi do Gama, de Planaltina e de Ceilândia.

“Hoje, temos mestrado no Gama, mestrado e doutorado em Ceilândia. Quase todos os professores do Darcy são doutores. Criamos 37 cursos e ampliamos os noturnos”, fala, fazendo referência às últimas duas gestões que passaram pela UnB.

Formada em Geologia, com especialização em mineralogia e petrologia, Márcia reconhece as dificuldades que as mulheres enfrentam no meio acadêmico e no mercado de trabalho, mas afirma acreditar nas capacidades pessoais para conquistar espaços de liderança. “É significativo chegar à reitoria e dizer que podemos, que damos conta de assumir os mais altos cargos de liderança. Mas não podemos deixar-nos levar pelas dificuldades.”

Logo após se formar em Geologia, em 1987, Márcia trabalhou por um ano em uma área de exploração da Petrobras. “Ficamos em um acampamento no interior da Bahia, dormindo em trailers. Havia vários deles com homens e apenas um para as mulheres, que eram quatro.”

Segundo ela, as mulheres não eram – e ainda não são – bem aceitas nas minas e garimpos. “Dizem que pode dar azar. Ainda existe isso de mulher não descer nos postos. Eu sempre desci e nunca dei azar”, brinca.

Depois da passagem pela estatal, Márcia voltou a Brasília, casou-se e iniciou o mestrado na UnB em 1993. “Eu não gosto da área de petróleo, gosto de geologia econômica e de petrologia, que é o estudo das rochas”, explica. Passados três anos como analista do Banco Central, assumiu a cadeira de professora na UnB.

Dentro da universidade, Márcia foi subchefe do Departamento de Mineralogia e Petrologia, coordenadora do curso de Geologia, vice-diretora do Instituto de Geociências (IG), coordenadora de extensão e, desde 2014, diretora do instituto. “Ainda estou orientando quatro defesas de mestrado e duas de doutorado”, diz.

Acesso e permanência

Segundo a reitora, a UnB tem apresentado resultados positivos no sistema de cotas – raciais e sociais –, mas enfrenta dificuldades para conduzir os estudantes ao diploma.“Não temos sido competentes o suficiente para manter os estudantes na universidade”, afirma.

“Em 2010, participei de um estudo que mostrava a evolução desses alunos [que entraram por cotas], e os resultados mostraram que o desempenho deles vai em uma curva ascendente, que muitas vezes ultrapassa a dos outros alunos.”

Mesmo assim, ela acredita que a universidade precisa fazer mais para reduzir a taxa de evasão. “Independentemente de ser cota ou não, às vezes a formação no Ensino Médio prepara [o estudante] para passar, mas não para fazer um curso superior em uma universidade que demanda, como a UnB, que puxa pela autonomia.”

Segundo a reitora, o despreparo de alunos que “têm dificuldades com disciplinas básicas, como matemática e física” e vivem em condições financeiras precárias são os principais fatores de desistência acadêmica. “Queríamos ter uma realidade diferente, que os alunos chegassem muito preparados, mas não é assim”, afirma.

Ela também destaca a importância dos programas de assistência estudantil, já que “muitos não ficam porque não tem como pagar impressões, ônibus e o almoço”. A UnB também oferece o Serviço de Orientação ao Universitário, que presta auxílio psicológico aos estudantes.

Simplificação

A gestora também promete ser “incansável” na informatização dos processos. “Até hoje [o aluno] tem que carimbar a declaração de matrícula na secretaria, no prédio da Reitoria”, cita. Questionada, Márcia informou prazo de um ano para que seja incorporada a “cultura da simplificação”.

A redução da burocracia, prometida por diversos reitores e ainda longe de ser implementada, viria por meio de um programa chamado “Simplifica”, que deve encurtar os trâmites processuais e descentralizar as responsabilidades para diretores, institutos e campi.

“Nós nos acostumamos a certos procedimentos e achamos que é normal, mas não precisa tudo ser centralizado na Reitoria”, afirma. “Uma autorização de afastamento de professor para ir a campo, quando termina de aprovar, ele já foi e já voltou.”

Na corrida contra o prazo para solicitar verbas, que terminou na última segunda (28), Márcia conseguiu assinar um convênio com a Agência Espacial Brasileira para o recebimento de R$ 4 milhões. O aporte será investido em equipamentos na faculdade de Engenharia Aeroespacial, que fica no campus do Gama.

Márcia Abrahão também cogita suprimir departamentos da universidade para agilizar a administração – por exemplo, as câmaras de Administração e de Planejamento e Orçamento.

“As duas têm praticamente a mesma função, mas uma tem enfoque maior na graduação. Vou unificar as duas e as pessoas vão achar bom, porque será uma reunião a menos para ir”, explica, aos risos.

A reitora também quer criar um canal de diálogo com a academia, a ser coordenado pelo vice-reitor, Enrique Huelva. Assim, os estudantes e servidores vão poder sugerir modificações nos serviços da UnB. “Muitas vezes, quem está na gestão nem consegue ver [os problemas].”

Impacto no DF

Márcia diz reconhecer que a UnB está “afastada” dos problemas reais dos moradores do Distrito Federal. Para ela, é preciso que os projetos internos da universidade ajudem a população em questões reais. Como exemplo, ela cita a crise hídrica da capital. 

“Nós temos vários projetos no Instituto de Geografia em andamento. O que falta é juntar todo mundo para discutir junto.” A reitora informou que pretende iniciar este debate no início do ano que vem.

Temas polêmicos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que tramita no Senado e pode congelar os gastos públicos por 20 anos, também estariam no alvo desses debates. Desde o dia 31 de outubro, pelo menos 15 prédios da UnB foram ocupados por estudantes que se opõem à medida.

“Nós temos que trazer as pessoas que pensam de todos os lados possíveis, que dão fundamentação teórica, em eventos abertos à comunidade de Brasília”, diz. No fim de novembro, o Tribunal Regional Federal suspendeu uma ordem de desocupação dos prédios, e deu a Márcia prazo de 15 dias para negociar uma saída pacífica com os movimentos sociais. Até a noite desta sexta (2), as ocupações estavam mantidas.

G1