Profissionalizante – Na expansão do ensino técnico, maior desafio é manter qualidade

MACEIÓ e RIO – Em expansão no Brasil depois de décadas de atraso, o ensino profissionalizante vive entre extremos: tem desde centros de excelência, disputados em seus estados, até problemas tão básicos quanto falta de professores e laboratórios.

Em 93 anos, de 1909 a 2002, o país construiu apenas 140 escolas profissionalizantes. O projeto de expansão começou, ainda timidamente, segundo especialistas, no governo Lula, quando 214 unidades foram inauguradas. Agora, na gestão de Dilma Rousseff, a meta é chegar a 2014 com 562 unidades, apenas da rede federal, espalhadas pelo país, além dos 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Esse aumento na oferta de vagas permitirá, segundo a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), do Ministério da Educação (MEC), matricular 600 mil alunos na rede técnica e profissionalizante.

A expansão faz parte do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado para democratizar a oferta dos cursos e ampliar também a oferta nas redes públicas – estaduais e municipais – e no Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac). Segundo Francisco Cordão, educador há mais de 40 anos e presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), “o país precisa urgentemente dessa mão de obra”:

– A educação técnica no Brasil nunca foi valorizada. Mas, hoje, o ensino médio não atende à aspiração de grande parte da juventude, que não está voltada para a vida universitária. No Brasil, o ensino médio está cada vez mais ligado ao vestibular, ao Enem, e isso não atinge 20% da população que frequenta o curso. Existe uma grande parte que quer ser preparada para o mercado de trabalho.

País tem atraso de 50 anos, diz especialista
No entanto, de acordo com Cordão, não basta expandir a oferta oferecendo mais cursos, é preciso criar escolas com laboratórios específicos e fazer com que os estudantes dominem “conhecimentos e valores culturais de maneira integrada”:

– O CNE define agora as diretrizes para a formar a educação profissionalizante. O professor, por exemplo, não basta que seja licenciado, tem que dominar a prática. Esse é um grande desafio, e hoje não temos número suficiente de professores, não nos preparamos. Calculo que se dobrarmos o número, ainda assim será insuficiente.

– O país descuidou do ensino técnico, e hoje temos pelo menos 50 anos de atraso. Essa expansão acelerada da escola técnica e tecnológica de ensino médio, de pós-médio e universitário é importante. O país não pode mais ficar esperando as condições ideais, tem que correr atrás da formação docente, que ainda recebe atenção aquém do que deveria. E educação, acredito, se resolve com formação docente qualificada – diz Fernando Becker, professor da Faculdade de Educação da UFRS, lembrando que, para que a expansão dê certo, é preciso ainda boa infraestrutura: – As escolas devem ter laboratórios e menos aulas expositivas, com alunos decorando teoria. Devem fazer com que os estudantes possam participar de oficinas, de projetos, devem habilitar para uma profissão.

Aprovado em 2009 para o curso de Farmácia do campus Realengo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Gustavo Simão já teve que ir para a unidade de Nilópolis para ter aula. Isso porque, em Realengo, não tinha sala suficiente. Segundo o MEC, a construção de uma escola técnica custa R$ 7,2 milhões.

– Às vezes, a aula tem que ser no campus do Maracanã. Além disso, não há laboratório de Farmácia em funcionamento atualmente – conta Simão.

Mas falta de laboratório não é privilégio de quem cursa Farmácia. O problema, segundo as alunas Nathalia Oliveira e Élida Miranda, se repete no curso de Fisioterapia.

– Todos os laboratórios estão sendo usados como sala de aula, pois desde 2009 nenhuma turma se formou. Só entram alunos – diz Nathalia. – A gente já teve que ter aula do lado de fora, no sol, e no refeitório. A biblioteca também é improvisada numa sala de aula.

Além da falta de laboratórios, os alunos enfrentaram a infraestrutura precária da unidade.

– Quando entrei, em 2009, as salas não tinham cortina, persiana, ventilador ou aparelho de ar-condicionado. O teto é de telhas, e o que mais tinha era aluno passando mal por conta do calor – lembra Eric Borges, aluno de Farmácia.

Na unidade, a sala de informática também serve como sala de aula. Mas o pior, segundo os alunos, é a aula inaugural. Para todos os cursos, ela acontece no pátio da Igreja Nossa Senhora da Conceição, próxima ao campus. O auditório, no qual as aulas inaugurais deveriam ocorrer, ainda não foi construído.

Fincado na periferia de Maceió, o centro profissionalizante Aurélio Buarque de Holanda Ferreira foi construído para funcionar no conjunto Medeiros Neto. No entanto, a unidade, com capacidade para receber dois mil alunos em cursos como o técnico de informática, está abandonada há dois anos, por problemas burocráticos.

O prédio já foi arrombado várias vezes, e os ladrões levaram parte dos computadores.

– Esse lugar é um perigo. Mesmo que ele seja inaugurado, quem vai estudar aí à noite? O pessoal tem medo – diz Pedro dos Santos, de 19 anos, que gostaria de ter aulas de informática.

Segundo a assessoria de imprensa, o secretário de Educação e Esportes, Adriano Soares, nega o abandono e diz que o centro deve ser inaugurado ainda este mês. Aberto, ele será o segundo centro profissionalizante de Alagoas, mantido pelo governo estadual. Hoje, o único que funciona fica em Coruripe, no litoral Sul do estado.