Programa Ciência sem Fronteiras completa 10 meses diante de discussões

Especialistas alertam para a necessidade de expansão em vários aspectos que consideram essenciais ao ingresso definitivo do Brasil no mapa educacional mundial

 

Diversidade. Esta é a palavra que contrabalança todo o clima de otimismo sobre o programa Ciência sem Fronteiras, bandeira que o governo brasileiro empunhou na Conferência das Américas sobre Educação Internacional (CAIE 2012), ocorrida no fim de abril em um hotel na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, com a presença de reitores e representantes de instituições de ensino superior de diversos países.

 

Dez meses após o lançamento do programa — que já disponibilizou 14.676 bolsas dentro de um total de 101 mil vagas até 2015 (75 mil pelo programa e mais 26 mil da iniciativa privada) —, especialistas alertam para a necessidade de expansão em vários aspectos que consideram essenciais ao ingresso definitivo do Brasil no mapa educacional mundial: mais cursos contemplados, mais categorias de estudantes e mais países parceiros, inclusive as grandes potências em desenvolvimento.

 

 

Organizado pelas agências de fomento Capes, do Ministério da Educação, e CNPq, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o programa foca em áreas consideradas prioritárias, como engenharia, biomédica e computação Para o professor do curso de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira de Letras Marco Lucchesi, ainda que esses setores tenham uma defasagem que precisa ser superada, a área de humanas também é estratégica.

 

 

— O argumento nasce de uma demanda histórica de um país que viveu reserva de mercado de informática e teve uma aproximação apenas acidental com áreas tecnológicas estrangeiras. Mas isso não afasta a necessidade de um investimento no mesmo patamar para a área de humanas. O Brasil ocupa espaços importantíssimos na geopolítica, e é preciso também um corpo profissional que tenha na agenda a cultura, a religião e a filosofia.

 

 

— É preciso apostar em outras zonas de diálogo, em outras regiões, até para evitar um colapso dos fluxos de pensamento e das trocas de parcerias. No campo tecnológico, é importante se aproximar da Índia, por exemplo. Temos nas universidades brasileiras todos os cursos de línguas neolatinas, mas não temos o romeno. Isso não é uma curiosidade de museu, é algo que nos é próximo e que não é aprofundado por falta de políticas culturais.

 

 

A primeira seleção focou apenas em universidades dos EUA e foi responsável pelas 3.697 bolsas concedidas, de fato, até agora — as outras 10.979, oriundas de duas convocatórias posteriores, ainda estão em fase de implementação, e a distribuição dos estudantes pelo exterior permanece indefinida. A segunda convocatória, ainda em processo de seleção, já foi mais ampla geograficamente: abarcou, além dos EUA, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Canadá.

 

A terceira, encerrada no dia 30 de abril, deixou pela primeira vez os EUA fora, para incluir Austrália, Bélgica, Canadá novamente, Coreia do Sul, Espanha, Holanda e Portugal. Até agora, a iniciativa privada não concedeu nenhuma das 26 mil bolsas que lhe cabem, porque, segundo a Capes, os procedimentos e editais ainda estão em fase de elaboração.

 

O diretor-executivo do Consórcio para Colaboração da Educação Norte-Americana, sediado na Universidade do Arizona, Francisco Marmolejo, reconhece a importância do projeto, mas também reforça o coro por uma maior diversidade.

 

 

— Se bem manejado, o Ciência sem Fronteiras vai permitir não apenas catapultar o sistema de ensino superior do Brasil, mas também fazer com que os grandes atores da educação internacional vejam no nosso país um sócio muito atraente. Mas espero que o Brasil esteja pensando neste momento em como diversificar o programa em outros lugares do mundo — alerta.

 

 

Entre as instituições americanas que mais receberam brasileiros, destaca-se a Universidade de Nebraska, uma das recordistas, com 28 estudantes entre os 555 que já estão em salas de aula dos EUA — números da Capes (o CNPq não divulgou seu balanço). Nebraska — que, no último fim de semana, diplomou 2.800 estudantes, número máximo para os seus 143 anos de história — não figura na lista de 400 melhores universidades do mundo elaborada pelo instituto de referência Times Higher Education (que traz o Instituto de Tecnologia da Califórnia no topo e a USP e a Unicamp entre as únicas brasileiras).

 

 

A Capes explica que a escolha das universidades baseia-se não apenas em rankings internacionais, mas na excelência dentro de cada área-chave do programa — no caso de Nebraska, a pesquisa química, que já lhe rendeu dois prêmios Nobel.

 

 

Outro destaque das parcerias previstas pelo Ciência sem Fronteiras é o Canadá, que enviou a maior comitiva à CAIE 2012, formada por 30 representantes de universidades. Dias antes da conferência, o governador-geral do país, David Johnston, em encontro com a presidente Dilma Rousseff, acertou o recebimento de 12 mil brasileiros. As autoridades canadenses buscam se apresentar como uma alternativa às universidades americanas. Enquanto os EUA atraíram no ano passado 9 mil estudantes daqui, o Canadá acolheu só 650.

 

 

— O Canadá tem um sistema educacional diferente dos Estados Unidos. Não temos um ministério central de educação, cada província tem seu próprio sistema superior de ensino. Talvez, por isso, nossa resposta tenha sido demorada. Mas a presença de 30 reitores aqui é um sinal de que o Canadá quer trabalhar com as universidades brasileiras — aposta Alain Boutet, diretor-executivo de Relações Internacionais da Universidade Dalhousie.

 

 

Apesar da expectativa de expansão do programa para mais países, o fluxo inverso — ou seja, com estudantes estrangeiros vindo para o Brasil — deve permanecer restrito. O programa prevê o recebimento de somente três tipos de bolsistas: cientistas renomados, pesquisadores especiais e jovens talentos — estes, prioritariamente brasileiros que pretendam retornar ao país. Marmolejo alerta que superar a barreira da língua é a principal forma de garantir que o Ciência sem Fronteiras se torne uma larga via de mão dupla.

 

 

— O Brasil ainda tem uma participação marginal nos grupos de mobilidade internacional. Para que sejamos mais atraentes, há um esforço que precisa ser considerado com mais seriedade: a implementação de cursos em outros idiomas nas universidades, particularmente o inglês. E, por outro lado, fazer com que brasileiros tenham uma maior competência em outros idiomas.

 

 

Paula Nejaim, de 21 anos, embarca em setembro para a França num programa de graduação-sanduíche do curso de engenharia da Politécnica da UFRJ. Bolsista do Ciência sem Fronteiras, a jovem ainda não sabe em qual universidade vai estudar, já que esta escolha cabe a uma agência de colocação contratada pela Capes e pelo CNPq. Ela escolheu apenas o país de destino, após comprovada a proficiência no idioma.

 

 

— Desde que entrei na UFRJ, fiquei sabendo das oportunidades de intercâmbio e que a França era o país com maior número de parceiros. Então resolvi investir nessa ideia, me dedicar aos estudos e aprender o francês. Hoje, três anos depois, vejo meu esforço se transformar em realidade. Essa experiência não será apenas de ganho pessoal. Como futura engenheira civil, pretendo trazer ao Brasil as tecnologias de sucesso utilizadas lá, mas que não são usuais aqui.

 

A troca de experiências na volta ao país de origem é um dos pontos-chave para o sucesso de programas de mobilidade acadêmica, segundo Marmolejo. O número de estudantes que vão ao exterior representa apenas 2% do total de matriculados nas instituições de ensino superior no mundo.

 

 

— É um programa muito promissor, mas insisto: ele está capitalizando um momento especial, que não vai durar a vida toda. Se não for usado favoravelmente agora, pode ser mais uma iniciativa que não terá continuidade. O desafio, a meu ver, é provocar que esses 101 mil brasileiros que vão sair do país beneficiem muitos outros aqui.