Promessa de dois professores tem falhas

Para educadores, proposta de José Serra não é 100% eficaz na alfabetização e é de difícil implantação nacional. Candidato do PSDB diz que haverá incentivo financeiro a prefeitos e governadores que adotarem o programa

José Serra (PSDB) diz que, se eleito presidente, colocará dois professores em todas as turmas de 1º ano (antiga pré-escola) das escolas públicas. A ideia é que, enquanto o primeiro professor dá a aula, o segundo percorra a sala ajudando individualmente os alunos com mais dificuldade. Serra argumenta que assim se assegura a plena alfabetização das crianças. No entanto, especialistas em educação veem dois problemas na promessa tucana. Primeiro, é difícil implantar o segundo professor em todo o país. Depois, o programa por si só não é garantia de que os alunos aprenderão de fato a ler e escrever. A implantação nas cerca de 110 mil turmas de 1º ano é pouco provável porque a grande maioria das escolas públicas de nível fundamental pertence às prefeituras. O presidente não pode obrigar os prefeitos a contratar um segundo professor.

“Cada município tem autonomia”, explica Carlos Roberto Jamil Cury, ex-presidente do Conselho Nacional de Educação. O segundo professor já está nas escolas estaduais de São Paulo e nas municipais da capital paulista, mas por decisão do governo e da prefeitura -quando Serra foi respectivamente governador (2007) e prefeito (2006). A campanha do PSDB diz que Serra oferecerá incentivos financeiros para que as prefeituras e os Estados adotem o programa federal. Verbas, entretanto, não garantem a adesão automática. Na saúde, por exemplo, apesar de o governo federal custear a implantação de UPAs (prontos-socorros), prefeitos e governadores rejeitam a verba -não querem programa com a marca do partido rival.

ESTAGIÁRIO – O segundo professor é, na realidade, um estudante de letras ou pedagogia -um estagiário. Em São Paulo, ele recebe uma bolsa mensal de R$ 500 e, em alguns casos, auxílio-transporte de R$ 100.
O alcance nacional prometido por Serra também é limitado pelo fato de não haver faculdade de letras ou pedagogia em todas as cidades. Em Santa Catarina, para que cada turma do 1º ano tenha estagiário, cerca de 50% dos universitários terão que ser recrutados. No país, são necessários 15% dos alunos. Em termos pedagógicos, a crítica é que a simples presença do estagiário não assegura a     alfabetização. O aluno de letras, ao contrário do de pedagogia, geralmente não vê na faculdade lições de alfabetização, aponta a professora Stella Bertoni, da UnB.

“CIUMEIRA” – Além disso, há a possibilidade de não haver um bom relacionamento entre professor e estagiário. O professor pode sentir sua autoridade ameaçada, e o estagiário pode querer impor as técnicas de ensino da faculdade. “Vai haver ciumeira, atrito”, diz Onaide Schwartz, professora da Unesp. Por fim, corre-se o risco de, em ausências do professor, o estagiário ser escalado para assumir a turma. “Ele não pode se responsabilizar por uma sala. Ainda é estudante”, afirma Maria Regina Maluf, da PUC-SP e da USP. Bertoni e Maluf dizem que, apesar de insuficiente, a presença do estagiário pode ter bons resultados. Para defender que a promessa terá sucesso, a campanha do PSDB diz que o número de crianças do 2º ano plenamente alfabetizadas na rede estadual de SP subiu de 88% para 93% em dois anos. E que na rede municipal da capital os alunos não alfabetizados caíram 50%.

Para educadores, proposta ideal seria diminuição de alunos por sala
Para educadores, a melhor promessa que um candidato à Presidência pode fazer pela alfabetização é reduzir o número de crianças por sala. No Brasil, cada sala do ensino fundamental tem 27 alunos em média -algumas chegam a 40. Na Europa, 20. “Não gosto dos dois professores. Você dá um dinheirinho para o universitário e ele faz o estágio na escola. É uma coisa barata”, afirma Maria Regina Maluf, professora da PUC-SP e da USP. “É mais barato que medidas     primordiais como dividir as salas lotadas e formar e contratar mais professores”. João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, concorda: turmas reduzidas vão melhor porque o docente trabalha dificuldades do aluno individualmente. Onaide Schwartz, da Unesp, diz que os dois professores impressionam a população em geral. “Mas eu, que trabalho com alfabetização há 25 anos, acho uma promessa ridícula, absurda.” Segundo ela, a alfabetização precisa de salas com 25 alunos no máximo, professores bem formados -há docentes que nem sequer acabaram o ensino médio- e material didático adequado. “Do contrário, alunos seguirão chegando analfabetos ao fim do ensino fundamental.” Segundo levantamento do Instituto Paulo Montenegro, 24% dos adultos que estudaram entre a 5ª e a 8ª série são analfabetos funcionais (não entendem aquilo que leem).