Prova do crime

Quadrilhas e candidatos desleais usam bem mais do que provas roubadas para fraudar vestibulares

"E o vestibular, é seguro?" Desde o vazamento do Enem, muitos vestibulandos estão com essa pergunta na cabeça. A resposta incomoda: por mais que os organizadores se esforcem para garantir uma concorrência justa, não faltam flagrantes de fraude nos concursos para faculdades brasileiras.

Existem até quadrilhas especializadas no assunto. E candidatos dispostos a pagar por seus serviços, que incluem colas eletrônicas e falsificação de documentos. Dependendo da região, da faculdade e do curso desejado, eles desembolsam até R$ 30 mil pela "forcinha".
"Se aumenta muito o prêmio, o lucro também sobe. E o pessoal se arrisca mais", diz Renato Pedrosa, coordenador da Comissão Permanente de Vestibulares da Unicamp.

As universidades contra-atacam. USP e UFPR estão entre as que usam detectores de metal e rastreadores de sinal de celular para evitar a cola.

Na Unicamp, quem fizer a segunda fase fornecerá sua impressão digital 11 vezes durante o concurso, para compará-las com a digital de quem fizer a matrícula e evitar a ação de laranjas (veja ao lado).

Vigiar e punir é difícil
O problema é que as medidas de segurança são caras -R$ 10 mil só para colher as impressões digitais e compará-las.

"Até 30% da despesa de R$ 1 milhão com o vestibular é para a segurança", diz Francisco Filho, coordenador de concursos da Universidade Estadual do Piauí, que usa detectores de metal e rastreadores de celular desde que fiscais flagraram uma cola eletrônica em 2006.

"Com tanta tecnologia nova, você fica doido. Não é fácil chegar a essas pessoas", diz o delegado Antônio Magno Toledo, da Delegacia de Defraudações e Falsificações de João Pessoa.

"No Nordeste, devem existir de três a cinco quadrilhas especializadas nisso. Em cada concurso pode haver dezenas de candidatos com esquema."

De fato, nesta década já houve vários flagrantes de cola eletrônica e uso de laranjas. Além de fraudes nos sistemas de cotas, como as que aconteceram na UFBA (Universidade Federal da Bahia), em 2006.

O procurador Sidney Madruga investigou o caso e conta que "não houve qualquer cuidado da UFBA de ver se os documentos eram verossímeis", diz. "Tem muita gente fraudando."

A UFBA se defende e diz que os dois alunos tiveram suas matrículas canceladas tão logo a fraude foi descoberta. Coisa que nem sempre acontece.

Em 2002, uma quadrilha "aprovou" 28 dos 40 alunos de medicina da Universidade Federal do Acre. Quando a polícia descobriu o esquema, soube que ela atuava havia 18 anos.

E o mais desanimador: a cola eletrônica não tem sido considerada crime pelo Supremo Tribunal Federal, instância máxima da Justiça brasileira.

Nos dois casos que julgou, o órgão considerou que ela não é estelionato nem falsidade ideológica. Uma chance clara de impunidade para quem trapaceia.

Tarso Araujo – Folha de São Paulo, 19/10