Quadro é mais negro do que se pensava

Para especialistas, país precisa universalizar acesso à escola e garantir também que alunos concluam a educação básica

As 3.853.317 crianças e adolescentes de 4 a 17 anos que estão fora das salas de aula e deixam o Brasil ainda longe de cumprir a meta estabelecida pelo movimento Todos Pela Educação – 98% ou mais dessa faixa etária devem estar matriculados e frequentando a escola até 2022 – são um “número assustador e que mostra que é irresponsabilidade dizer que o país universalizou a educação.”, diz Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação:

– É inadmissível, são quase quatro milhões de pessoas que têm seu direito de aprender negado.

De acordo com o relatório De Olho nas Metas, em 2010, a taxa de atendimento no país foi de 91,5%, na faixa de 4 a 17 anos, quando a meta era de 93,4%. Para especialistas, esses números não mostram apenas as crianças e jovens que não vão à escola, mas evidenciam que o país precisa ter uma política pública não só para garantir o acesso à educação, mas também para manter o aluno na escola, garantir que conclua a educação básica e tenha educação de qualidade.

– O atendimento à pré-escola, com crianças de 4 a 5 anos matriculadas, é recente. O governo começou a se comprometer com essa faixa etária, as taxas de atendimento vêm crescendo e a tendência é que aumentem. Claro que gostaríamos que todas as crianças estivessem já na pré-escola. Mas, mesmo as que não estão, em algum momento irão frequentar o ensino fundamental. No entanto, não basta oferecer acesso. A questão é como melhorar a qualidade e o fluxo escolar. No ritmo em que vamos, dificilmente chegaremos em 2022 com 98% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos na escola. Embora avance, a taxa de conclusão cresce timidamente – diz Tufi Soares, coordenador do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF):

– O país ainda precisa definir, por exemplo, quais os critérios de reprovação e como acompanhar os alunos que são reprovados. A reprovação produz atraso escolar e atraso no aprendizado. E o Brasil reprova por reprovar, o que contribui, assim como a defasagem idade-série, para que abandonem a escola.

O relatório apontou ainda que dos quase 4 milhões que não estão nas salas de aula, 1.156.846 são crianças de 4 a 5 anos. Quando o assunto são jovens de 15 a 17, o número é ainda maior: 1.728.015.

– O Brasil praticamente universalizou a educação para a faixa de 8 a 12 anos, temos 98,5% de atendimento. A conclusão é que não está universalizada. Desses quase 4 milhões que hoje não frequentam a escola, 1.200 milhão, que hoje têm entre 4 e 5 anos, vai entrar. A gente quer que eles entrem antes, na pré-escola, mas eles irão. O problema é quem entra e sai da escola, os alunos que largam os ensinos fundamental e o médio – diz Ruben Klein, especialista em avaliação educacional. – Criar uma escola de qualidade é o que vai impactar a educação no Brasil. Estimular as crianças, ter projeto pedagógico e políticas públicas que melhorem a qualidade do ensino.

– Crianças e adolescentes não ficam na escola porque ela é muito ruim. Se você perguntar para os menores por que eles vão, vai ouvir que é por causa das outras crianças. Então, quando crescem e descobrem que já não precisam da escola para amizades, elas largam. Antigamente, os alunos ficavam por conta da cultura autoritária das famílias – diz Vitor Paro, professor da USP e autor do livro “Crítica da estrutura da escola”. – O Brasil não tem objetivo na educação. Não tem meta para melhorar a qualidade, para dar condições de trabalho, para reorganizar o que é ensino e a maneira como é ensinada. Já seria triste termos 30 crianças fora da escola, porque elas não têm acesso à cultura e têm um direito negado. Sendo quase quatro milhões…

Desafio é oferecer qualidade e não só acesso

Francisco Soares, professor da UFMG, diz que é necessário ainda que o ensino médio seja repensado para que mais estudantes permaneçam na escola:

– Eles vão para o primeiro ano e se perguntam o que as disciplinas têm a ver com a vida deles. Oferecemos aulas para quem quer fazer vestibular, é só para esse perfil. Mas nem só quem vai para universidade precisa de educação. Criar esse debate é importante. Não é só dizer que vai oferecer ensino profissionalizante com o médio, porque isso faz com que um aluno tenha até 22 disciplinas. Para manter os jovens na escola, é hora de colocar em pauta que nem todos querem fazer a mesma coisa.