Rumo aos 10 milhões

Dados do Censo da Educação Superior confirmam o aumento no número de matrículas de graduação e revelam que, por trás dessa expansão, está um novo contingente de estudantes em busca de uma formação que atenda as suas necessidades específicas

Na última década, mais do que dobrou o número de brasileiros que frequentam cursos superiores em busca do sonhado diploma. A expansão das matrículas na etapa não é exatamente uma novidade, mas o Censo da Educação Superior de 2010 mostrou que esse crescimento acelerou entre 2009 e 2010 chegando ao total de 6.379.299 de estudantes matriculados na graduação. O aumento foi de 7,1% das matrículas no período contra uma média de 2% a 4% verificada em anos anteriores. Para especialistas, governo e instituições ouvidos pela Ensino Superior, a boa notícia é que o ritmo deve se manter nos próximos anos. Mas eles alertam para a necessidade de diversificar a oferta de cursos e pensar a expansão de forma coordenada com as atuais demandas do país e da população que ainda não chegou ao ensino superior.

A principal razão para acreditar que o sistema de educação superior brasileiro deverá continuar crescendo nos próximos anos está no próprio momento que o país vive, rumo ao grupo das cinco maiores economias mundiais. Falta mão de obra qualificada para atender um mercado de trabalho em franca expansão. Por outro lado, melhoraram as condições socioeconômicas da população e consequentemente as oportunidades das famílias em investir na educação das novas gerações.

Para o diretor-executivo da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas, a chegada das classes C e D ao ensino superior é o principal fator que explica o aumento das matrículas. “O crescimento de qualquer país passa pela educação e no Brasil não poderia ser diferente. Esse crescimento é uma tendência que deverá permanecer haja vista a necessidade de mão de obra para atender às demandas do país e à real necessidade dos jovens”, acredita.

A meta do governo é chegar a 2020 com 10 milhões de matrículas no ensino superior. Mas diante do aumento apontado pelo censo de 2010, o secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), Luiz Cláudio Costa, é otimista. “Acho que vamos manter essa taxa ou ainda crescer um pouco mais”, avalia. Para ele, o desafio de crescimento do Brasil já está posto e aceito, por isso o governo trabalha em ações para que a estrutura do ensino suporte os 10 milhões de matrículas até o fim da década.

Em 2010, as instituições públicas registraram um maior aumento no número de matrículas: 7,2% contra um crescimento de 6,4% registrado nos estabelecimentos particulares. Mas a proporção da distribuição das matrículas não se alterou: o setor privado ainda é responsável por 74,2% dos estudantes de graduação.

A expectativa, porém, é que as matrículas continuem crescendo nas instituições públicas, ainda sob o impacto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que ampliou o número de vagas nas federais. O MEC também estuda apoiar as instituições públicas estaduais que não preenchem sua capacidade total de vagas devido a dificuldades estruturais. Além disso, os programas para inclusão de estudantes nas instituições particulares, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e Programa Universidade para Todos (ProUni), continuam na lista de prioridades do governo para atingir a meta de 10 milhões de universitários até o fim da década.

Em busca do novo
Dois segmentos da educação superior são destaque na análise dos dados do censo por conta do crescimento verificado: a educação a distância e os cursos tecnológicos, que já respondem por 15% e 12% das matrículas do ensino superior, respectivamente. “O crescimento no ensino privado entre 2009 e 2010 se deu graças à expansão da EAD e dos tecnólogos, enquanto que a graduação tradicional está estagnada”, avalia o presidente da CM Consultoria, Carlos Antonio Monteiro.

Na opinião de Monteiro, a taxa de crescimento da EAD não foi ainda maior em 2010 devido às ações de regulação coordenadas pelo MEC. “Por isso o crescimento não foi tão grande, mas ainda sim foi maior do que a média dos outros segmentos”, destaca. Monteiro sugere que nos próximos anos o crescimento total das matrículas no ensino superior fique entre 6% e 10%. “Mas quem vai bancar realmente esse aumento são a EAD e os cursos tecnológicos”, aposta o consultor.

De fato a procura por formatos diferenciados de ensino superior além da graduação tradicional merece atenção. Os números do censo reforçam a tese de que há uma parcela da população interessada em formação de nível superior, mas que não se sente atraída pelo modelo tradicional de ensino presencial dos bacharelados e licenciaturas. As diferenças começam no perfil do estudante: enquanto nos cursos presenciais a média de idade é 26 anos, na modalidade a distância essa média sobe para 33 anos.

A existência de diferentes perfis de estudantes e de interesses na formação superior pode ser explicada pelo déficit educacional histórico enfrentado pelo país. Luiz Cláudio Costa ressalta que o Brasil enfrenta um débito muito grande com a população que ficou excluída do ensino superior por questões econômicas, sociais, ou por falta de oportunidades. “É legitimo agora que essas pessoas busquem isso, mas como muitas vezes elas já estão estabelecidas, têm emprego e família, encontram dificuldade na flexibilização de horários. Então o ensino a distância de qualidade permite que elas tenham suas aspirações satisfeitas”, analisa o secretário Luiz Cláudio Costa.

Na opinião do professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Remi Castione o perfil do estudante da EAD apontado pelo censo combina com as exigências da modalidade. “O aluno precisa ter uma certa maturidade para cumprir as atividades sem o ensino presencial. A EAD exige um comprometimento muito grande dos estudantes. Essa expansão do ensino a distância revela uma outra realidade que é o princípio consagrado da educação ao longo da vida”, aponta o pesquisador.

Já os cursos tecnológicos, avaliam os especialistas, têm um apelo maior entre aqueles que já estão no mercado de trabalho e buscam de forma rápida melhorar a sua formação em cursos relacionados à área em que atuam. Desse modo, tal modalidade de graduação se adapta não apenas ao perfil do aluno, mas às necessidades do mercado, que sofre com a falta de mão de obra e precisa preencher essa lacuna com rapidez.

Na avaliação do consultor Carlos Monteiro, a vantagem desse modelo é que ele vai “direto ao ponto”. Ele entende que a graduação tradicional está passando por uma crise de audiência especialmente porque não tem atingido uma funcionalidade profissionalizante, diferente dos cursos tecnológicos. “A graduação tradicional está chata demais. Tem muita perfumaria no meio de todas aquelas disciplinas que não levam a nada”, critica. Segundo Monteiro, é justamente por isso que a fórmula do sucesso para o atendimento da classe C está nos cursos de EAD e de tecnólogos.

Expandindo fronteiras
Com relação à distribuição de vagas pelo país, os números do censo revelam um sensível crescimento nas matrículas no Norte e Nordeste. Em 2001, os alunos nortistas eram apenas 4,7% do total, patamar que evoluiu para 6,5%. No mesmo período, a participação do Nordeste passou de 15,2% para 19,3% no total de matrículas. A aposta, tanto do governo quanto das instituições privadas, é que essa expansão deve continuar em função do bom momento econômico que vivem as regiões, especialmente o Nordeste, onde a oferta de mão de obra qualificada ainda é muito baixa em relação à demanda do mercado por trabalhadores com formação.

Apesar do crescimento das matrículas naquelas regiões, ainda é o Sudeste que responde por quase metade (48,7%) do atendimento. Na avaliação do professor Carlos Monteiro, o “boom” das matrículas no Nordeste ainda está por vir. Ele acredita que a região representa uma oportunidade “excepcional” de crescimento para as instituições de ensino. “O Nordeste passa por um processo bastante interessante. Há muito investimento na indústria, no turismo e uma população com capacidade aquisitiva cada vez maior, que necessita da educação para progredir. Há muito espaço para o crescimento do ensino superior nos próximos anos”, indica Monteiro.

Mas o professor Remi Castione, da UnB, alerta que não se pode simplesmente importar os modelos de cursos mais populares em outras regiões. É preciso adaptar a oferta às demandas locais. “Não podemos expandir esse modelo de universidade do centro-sul que é muito bacharelesco e de certa forma muito fechado”, aponta.

Mais do mesmo
Enquanto o crescimento do ensino superior focado no mercado e nas necessidades regionais da população em ascensão social e econômica se mostra como uma tendência irreversível, o censo de 2010 não traz grandes novidades no ranking das graduações mais procuradas. Contrapondo a aposta nas formações tecnológicas, administração e direito seguem no topo das matrículas do ensino presencial com 705 mil e 694 mil estudantes, respectivamente. Pedagogia, enfermagem e ciências contábeis completam a lista das cinco graduações mais populares do país.

Na comparação do número de ingressantes, no entanto, esse quadro que vem se repetindo há anos deverá mudar em breve. Entre 2009 e 2010 o Censo mostra um crescimento de 17,9% de novos alunos na área das engenharias e 22% na educação. O ingresso nas graduações de ciências sociais, negócios e direito aumentou apenas 2%. Em outras áreas como humanidades e saúde houve diminuição no número de ingressantes.

Uma aposta é que as engenharias logo atinjam o 3º lugar desse ranking, especialmente devido à necessidade de profissionais para trabalhar nos grandes projetos estruturais que estão na agenda do país. O desafio, portanto, é adequar a oferta às necessidades de mão de obra e às demandas dos estudantes, acredita o diretor-executivo da Abmes, Sólon Caldas.

Nesse sentido, o MEC realiza um diagnóstico para orientar a expansão das matrículas nos próximos anos, apontando onde e em quais áreas há mais demanda por determinado profissional. A análise estratégica incluirá instituições públicas e privadas.

O secretário diz que hoje o estudante possui um amplo leque de opções para escolher em função da diversificação dos cursos e formatos, mas nem sempre enxerga todas as oportunidades. Por isso, defende que é preciso encontrar novas formas para apresentar esse “cardápio” para o futuro aluno. Costa avalia que modelos como o do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que reúne a oferta de vagas de instituições públicas para seleção a partir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), podem contribuir para a desconcentração das matrículas em poucas cursos. “Não se percebe a importância desse mecanismo, mas o Sisu permite ao estudante ter um leque de opções muito maior do que os oferecidos localmente”, defende o secretário.

Pedras no caminho
Para manter a taxa de crescimento verificada em 2010 e confirmar as expectativas otimistas para os próximos anos, alguns desafios precisarão ser enfrentados por governo e instituições públicas e privadas. Um deles é reduzir o índice de evasão que hoje está em cerca de 12%, segundo o MEC. Uma das saídas para melhorar a fixação do estudante é rever o próprio modelo de ingresso dos cursos e da organização pedagógica.

“Nosso sistema de ensino superior vem de um modelo do século 19 muito baseado na profissão, como se um jovem de 17 anos pudesse escolher o que vai ser nos próximos 40 anos”, avalia o professor da UnB, Remi Castione. Como exemplo de modelos inovadores, Castione cita a experiência dos cursos de bacharelado interdisciplinar que estão sendo desenvolvidos por instituições como as universidade federais da Bahia (UFBA) e do ABC (UFABC). Nesses cursos o aluno começa cursando disciplinas básicas e só depois de um período opta por uma área específica.

Experiências desse tipo também poderiam funcionar nas instituições particulares, mas segundo Carlos Monteiro o setor ainda é muito conservador nesse sentido e tem “aversão ao risco”. O professor acredita que o desafio de enfrentar a evasão está justamente em entregar ao aluno o que ele deseja.

Números da educação superior em 2010

Assimetrias regionais

 

Tecnológicos campeões de audiência
As matrículas nos cursos tecnológicos já representam 12% do ensino superior e tendem a continuar crescendo.

Para isso devem se adaptar ao novo perfil de alunos, que buscam uma nova formação ou aprofundamento da área em que atuam, além de acompanhar as necessidades do mercado. Veja os cinco cursos tecnológicos com mais matrículas:

1 – Gerenciamento e administração 343.723 matrículas
2 – Processamento da informação 66.664 matrículas
3 – Ciência da computação 51.400 matrículas
4 – Marketing e publicidade 47.996 matrículas
5 – Proteção ambiental 40.166 matrículas

Educação e engenharias em alta
Embora administração e direito sigam no topo da lista dos cursos com mais matrículas, incluindo pedagogia, enfermagem e ciências contábeis, esse quadro tende a mudar já que o maior crescimento no número de ingressantes foi nas áreas de educação (22%) e engenharia (18%), enquanto que o ingresso nas graduações de ciências sociais, negócios e direito aumentou apenas 2%. Outras áreas, como humanidades e saúde, tiveram redução no número de novos alunos.