Sua excelência, a educação

Escolaridade se mostra fundamental para a queda da desigualdade e o crescimento da classe média

Dinheiro e posse de bens de consumo podem ser sinais exteriores de prosperidade, mas o que realmente distingue com clareza a classe social à qual o brasileiro pertence é a escolaridade.

O levantamento Datafolha mostra que no topo da pirâmide, por exemplo, a maioria possui nível superior. Descendo um degrau, no que seria uma classe média alta, esta proporção cai significativamente, e o nível de instrução da maioria passa a ser o ensino médio completo.

Assim vai até chegarmos à base da pirâmide, em que o mais comum é ser analfabeto ou nem sequer ter completado o primário, equivalente hoje ao quinto ano do ensino fundamental.

Estudar é, portanto, o melhor passaporte para a mobilidade social. E, apesar de muitos brasileiros ainda terem uma escolaridade precária, a boa notícia foi que a distância entre pobres e ricos no que diz respeito ao acesso à escola diminuiu.

Há dez anos, o Datafolha registrava que havia mais brasileiros que não tinham completado o ensino fundamental do que aqueles que possuíam ao menos o nível médio completo.

Hoje, a situação se inverteu, e esse movimento teve papel fundamental na redução da desigualdade e no crescimento da classe média no país, como comprovam alguns estudos.

O mais recente deles, dos pesquisadores Naércio Menezes Filho e Alison Pablo de Oliveira, ambos da USP (Universidade de São Paulo) e do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), mostra que 40% da queda da desigualdade no mercado de trabalho na década passada é explicada pela melhoria da escolaridade dos mais pobres.

O economista Marcelo Neri, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que chegou a conclusão semelhante em estudo divulgado em maio, lembra que a educação no Brasil nem sempre jogou a favor da redução da desigualdade.

Nos anos 1970, durante o chamado “milagre econômico”, o avanço pífio da escolaridade fez com que os poucos brasileiros mais instruídos se beneficiassem muito mais do bom momento econômico do que os aqueles que estudaram menos tempo.

Na década passada, mesmo sem taxas tão altas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), foram os mais pobres que registraram maior aumento na renda, permitindo que muitos mudassem de classe econômica, em boa parte devido à melhoria de sua escolaridade.

“A educação teve papel fundamental para explicar essa fantástica queda da desigualdade. E, nesse campo, muito do que foi colhido na década passada começou a ser plantado nos anos 1990”, afirma o economista.

Neri se diz otimista com a continuidade desse processo. “Muitos, inclusive eu, acreditavam que o crescimento dessas classes era sustentado mais na oferta de crédito e de programas sociais. Mas hoje entendo que as pessoas estão ascendendo também porque estudaram mais e tiveram menos filhos.”

MENOS RISCOS

Priscila Cruz, diretora-executiva do movimento Todos Pela Educação, lembra que quanto menor a escolaridade, menor a proteção contra crises econômicas.

“Se a economia desaquece, muitos dos brasileiros que migraram para a classe C beneficiados só pelo crescimento podem voltar para as classes D ou E. Com mais instrução, a pessoa tem mais força para reagir às adversidades e capacidade de migrar de um setor para outro.”

Para ela, no entanto, à medida que as diferenças em termos de acesso diminuem, aumenta a importância da qualidade do ensino.

“Cada vez mais, o que diferenciará as classes não será tanto o nível de ensino ao qual cada um chegou, mas a qualidade da educação recebida”, afirma.

Cruz avalia ainda que será um erro se boa parte dessa nova classe média fugir da escola pública em busca de mais qualidade nos colégios particulares.

Seu argumento é que essa migração teria efeito prejudicial para a educação na rede pública e não seria garantia de melhor ensino, já que muitas escolas privadas, especialmente as que oferecem cursos mais baratos, têm também qualidade muito ruim.

Para especialistas, LDB aprovada em 1996 ainda é atual

Mariana Mandelli, OEstado de S. Paulo

Apesar do desrespeito a artigos e das mudanças que o País passou, educadores defendem a manutenção da lei

Não há número oficial sobre a quantidade de emendas e alterações que a última versão da LDB, de 1996, sofreu. Mas ela já foi modificada por pelo menos 28 leis- inclusive em 2011.

Demandas como a obrigatoriedade da matrículados 4 aos 17 anos e o ensino fundamental de nove anos, por exemplo, não constam na lei original – são criações recentes. Outras modificações também estão em discussão hoje no MEC,como o aumento da carga horária e uma nova base curricular.

“O Brasil sempre teve muita lei e pouca sistematização. São muitas as leis, de diversas fontes: governo federal, conselhos nacional e estaduais, decretos, resoluções”, explica Nina Ranieri, do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. “Essa multiplicidade de fontes cria um em aranhado.

A normatização de forma geral é efêmera, com exceção, é claro, da LDB. Por isso a importância:é uma lei substantiva, com normas e diretrizes.” Para alguns especialistas em educação, apesar da evolução – e também da manutenção de alguns gargalos do ensino brasileiro – , a lei de 1996 cabe dentro da realidade do País e,portanto,ainda não chegou o momento de discutir uma nova LDB.

“A lei que temos ainda dá conta.

Ela sofreu emendas positivas que a adaptam às mudanças da vida real.Não precisamos de outra LBD, mas sim da aprovação urgente do Plano Nacional de Educação (PNE)”, defende a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda.

A necessidade de aperfeiçoamentos, no entanto, é consenso entre os educadores.”A lei precisa de melhorias, mas, mais do que isso, precisa ser cumprida.

Um exemplo é a questão da aplicação dos recursos obrigatórios dos municípios em educação, prevista em artigo,mas é sempre descumprida”,afirma Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Entre os gargalos visíveis, ele destaca que a LDB poderia ter um caráter mais fiscalizador em relação ao seu descumprimento.

“Ela poderia ao menos repetir o que há em outros dispositivos da legislação que tratam de punições aos agentes públicos que não cumprem a lei”, explica.

“Normalmente, é usada a lei de improbidade administrativa.” Callegari ainda destaca as exigências de formação superior e dos planos de carreira municipais dos professores como artigos não cumpridos.

Revisão. Já Maria Izabel Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e membro do CNE,defende que a lei seja revisada.” A lei está em descompasso com a realidade e deve ser contextualizada e reescrita.

Além disso, parece um Frankenstein: está toda remendada”, diz ela, autora de um estudo sobre a atual LDB.

Segundo Maria Izabel, um dos tópicos mais problemáticos é a falta de um regime de colaboração entre os entes federativos.

Para a educadora, temas como a educação rural, indígena e quilombola, entre outros,também devem ser rediscutidos.