Sucateamento das universidades

Não é possível um ensino superior de qualidade desvinculado de uma pesquisa forte. O sistema universitário estadual paulista, que produziu nas últimas décadas mais de um terço de todos os trabalhos científicos brasileiros indexados anualmente na principal base de dados acadêmicos internacionais, a Web of Science, está hoje ameaçado de sucateamento pela desvalorização da carreira dos docentes.

Ao criar a USP (Universidade de São Paulo), em 1934, o Estado de São Paulo deu um passo decisivo para impulsionar o desenvolvimento econômico do país, por meio da formação de recursos humanos altamente qualificados e do fortalecimento da pesquisa.

Governadores e legisladores de São Paulo souberam manter esse rumo visionário ao criar a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em 1966, e a Unesp (Universidade Estadual Paulista), em 1976, expandindo para 31 municípios, em todas as regiões do Estado, o esforço para aproximar o Brasil da opção estratégica dos países mais desenvolvidos de valorizar a pesquisa e o ensino superior.

O que ameaça a qualidade alcançada por esse sistema estadual ao longo de décadas não é a crise financeira atual, mas o golpe que estão sofrendo as carreiras docentes com a limitação do teto salarial ao subsídio do governador (R$ 21.631,05), valor reduzido após o cálculo do salário líquido (R$ 14.394,17).

Uma vez que o subsídio do governador é o teto salarial, para que exercer por mais de 20 anos a dedicação integral à docência e à pesquisa, com necessidade de comprovar mérito constantemente para progressão na carreira, atuando na formação de recursos humanos qualificados e lideranças do país?

Dada essa aberração de limitar salários de profissionais de carreira a um subsídio, ao qual não há acréscimos de qualquer tipo –como o adicional por tempo de serviço garantido constitucionalmente a todos os servidores–, para que, após o ingresso na carreira, se submeter a outros dois concursos públicos, para livre-docente e titular?

Além da frustração dos professores aposentados e dos ativos mais titulados, a desmotivação passou a contaminar os docentes mais jovens, por conta da perspectiva de achatamento dos salários.

Essa desvalorização da carreira também ameaça desestimular potenciais candidatos a docentes nas universidades estaduais paulistas, que podem optar por instituições estrangeiras ou pelo sistema federal, cujo teto salarial é superior.

O efeito perverso desse teto é agravado na comparação do desempenho com várias das melhores universidades do mundo, que oferecem salários diferenciados para disputar cientistas de alto prestígio. Ou seja, esse limite nos mantém na contramão da valorização do mérito.

No final das contas, a desvalorização da carreira docente é o caminho decisivo para a corrosão da qualidade do sistema universitário estadual paulista, como ocorreu com o ensino fundamental e médio.

Está nas mãos do governador e dos legisladores de São Paulo impedir o aviltamento do mais bem-sucedido sistema de ensino superior brasileiro, construído durante décadas por docentes e pesquisadores com o apoio de políticos paulistas que, no passado, tiveram visão de futuro.

SANDRO ROBERTO VALENTINI, 51, é professor titular de biologia molecular e ex-diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp (Universidade Estadual Paulista), campus de Araraquara

Folha de São Paulo