UFMG bate próprio recorde e lidera pedidos de patentes no Brasil

Nenhuma universidade brasileira tem mais solicitações do que a instituição mineira, que chegou a 91 requisições em 2016. Salto pode ser maior caso sejam removidos entraves de legislação

Com 91 depósitos de pedidos de patentes junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) bateu, em 2016, o próprio recorde histórico em inovação – no ano anterior, já figurava como líder em depósitos entre as universidades brasileiras, com 69 pedidos depositados.

Para o professor e pró-reitor de Pesquisa da instituição, Ado Jorio Vasconcelos, a estruturação do desenvolvimento científico e tecnológico se dá com a estruturação do desenvolvimento científico. “Hoje, a produção no país é razoável, é equivalente à população brasileira no mundo. Ou seja, representamos 3% da população mundial e publicamos 3% de artigos científicos no mundo. Enquanto produção científica temos um lugar condizente com nossa realidade. Claro que podemos melhorar. Já quanto ao depósito de patentes, não estamos em uma realidade adequada, mas a evolução da UFMG é impressionante e, certamente, temos a liderança nacional nesse quadro”.

Ado Jorio Vasconcelos explica que se olharmos a produção científica e o número de artigos publicados pela UFMG há 10 anos, “hoje temos o dobro, uma evolução razoável de um país estruturado cientificamente. Agora, se observarmos que a UFMG tem 90 anos, vemos que nos últimos 10 anos a instituição depositou cinco vezes mais patentes do que em toda a sua história pregressa”.

O professor lembra que a evolução de desenvolvimento tecnológico e produção intelectual são mais recentes e mais aceleradas do que a produção científica. “Se olharmos o número de transferências de tecnologias da UFMG para o setor produtivo, esse número é 10 vezes maior nos últimos 10 anos do que em toda a sua história pregressa”.

Vale destacar que, dos 91 pedidos de patentes da UFMG, 50% são da área de biotecnologia, confirmando outra marca da entidade: a maior depositante de pedidos de patentes de biotecnologia no Brasil. São tecnologias como diagnóstico para dengue e para doença de chagas, prognóstico de câncer de ovário e composições antineoplásicas. Depois da biotecnologia, as áreas que mais depositaram patentes em 2016 foram engenharia, farmácia e química.

ESTRUTURAÇÃO SÓLIDA Pensar num crescimento cada vez maior é entender que existe um “tempo histórico para estruturar um ecossistema científico com todas as suas demandas, como agências de fomento, infraestrutura laboratorial, recursos humanos de qualidade, entre outros, por meio de incentivo e financiamento. O Brasil vem se estruturando de forma sólida, apesar de decisões tardias, como a Lei de Inovação feita em 2004. Ações similares, mesmo jurídicas, ocorreram nos EUA em 1980”.

Diante desse cenário, Ado Jorio Vasconcelos alerta sobre dois aspectos mais sérios que geram freios no desenvolvimento. A primeira questão é que “em todo o mundo, o desenvolvimento científico é realizado majoritariamente em instituições governamentais, e a transferência de bens e serviços do público para o privado é complicado no Brasil, seja na seara jurídica ou cultural.

Pensando na Lei da Inovação, ela é super-recente, entra em choque com outras legislações, aumentando a dificuldade nessa relação público-privada em transferência tecnológica. O próprio teor low tech do nosso setor produtivo, que, além de ter dificuldade de absorver avanços científicos e tecnológicos, deixa a ciência brasileira escrava da importação de equipamentos e insumos de alta qualidade. O que é mais um entrave que gera atraso. Sem falar na burocracia alfandegária, a liberação nos aeroportos. O desenvolvimento científico é globalizado e não se pode perder tempo, ou mesmo pôr em risco toda uma pesquisa”.

Ado Jorio Vasconcelos conta que existem áreas que carecem mais de patentes do que outras. “É fundamental entender que quando comparamos biotecnologia, por exemplo, com tecnologia da informação (TI), duas áreas em que Minas Gerais é fortíssima, polo brasileiro, o comportamento do mercado é distinto. Em TI, a dinâmica de mercado não ocorre por meio da proteção intelectual em forma de patentes, pela velocidade de desenvolvimento tecnológico. Na área de saúde, entretanto, o desenrolar é mais lento, já que a exigência de segurança é diferente.”

Quanto ao recorde de 91 depósitos de patentes da UFMG, Ado Jorio Vasconcelos reforça que é importante lembrar que o desenvolvimento científico é questão de estado e a estruturação demanda muito tempo. “Nossa preocupação com a crise econômica é que a diminuição da verba terá um impacto a longo prazo. O resultado é um comprometimento futuro do seu desenvolvimento. Países desenvolvidos ou mesmo nos casos de China e Rússia, os investimentos em ciência e educação são blindados de crises econômicas”, observa.

O reitor Jaime Ramírez comemora o resultado. “O futuro sinaliza claramente para a crescente interação entre academia e sociedade. Assim, as diversas linhas de atuação da UFMG devem contemplar a transferência de tecnologias, físicas e sociais, para a sociedade”, afirma.

DA UNIVERSIDADE PARA O MERCADO

Para além do desafio de gerar tecnologias por meio das pesquisas acadêmicas, está a transferência dessas invenções para o mercado, por meio da interação universidade-empresa. Um dos projetos que tiveram assinatura do licenciamento da tecnologia em 2016 foi o do peptídeo sintético PnTx(19). Modelo promissor de fármaco no combate à disfunção erétil, essa substância, que é atóxica, passa praticamente despercebida pelo organismo e tem ação analgésica, foi licenciada com exclusividade, por meio de edital de oferta pública, à empresa Biozeus.

A tecnologia foi desenvolvida por grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG e da Fundação Ezequiel Dias (Funed), que isolou parte do veneno da aranha armadeira e sintetizou peptídeo que potencializa a ereção sem causar efeitos tóxicos. A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

Responsável pela gestão das tecnologias geradas pela UFMG, a Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) tem diversas demandas de transferência de tecnologias que ainda não foram atendidas por falta de definições legais. “A falta de normatização já está travando algumas transferências”, enfatiza o diretor da CTIT, professor Gilberto Medeiros. Conforme ele explica, o objetivo é que o ambiente de inovação tenha mais clareza para toda a comunidade e agilize os processos que culminam com depósito de patentes e de transferência de tecnologia.

Jaime Ramírez destaca a importância do trabalho da comissão, lembrando que a Lei 13.243/16 não é autoaplicável – cada Instituição de Ciência e Tecnologia (ICT) deve definir as próprias políticas de inovação, em sua amplitude local e regional, em consonância com a legislação federal.