UFSC exonera corregedor que denunciou desvios de verbas

Com ataques ao reitor morto, Rodolfo Hickel voltou à universidade nesta quarta após três meses afastado por ‘motivos pessoais’

SÃO PAULO — O reitor em exercício da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ubaldo Cesar Balthazar, decidiu afastar definitivamente o corregedor-geral Rodolfo Hickel Prado, de 57 anos. Responsável pela denúncia que levou à deflagração da Operação Ouvidos Moucos da Polícia Federal em setembro, Hickel retornou à instituição nesta quarta-feira após um período de três meses afastado alegando problemas de saúde. A exoneração será publicada nesta quinta-feira no Diário Oficial da União.

Na segunda-feira, o reitor chegou a enviar um ofício para a Controladoria-Geral da União (CGU) manifestando o temor de que a volta de Hickel ao cargo levasse instabilidade à universidade. No documento, Balthazar manifestou a intenção de dispensar o corregedor, mas pediu um parecer da CGU, que não se pronunciou.

A decisão definitiva de exonerá-lo, no entanto, foi tomada após a publicação da entrevista do corregedor ao GLOBO, em que Hickel afirma seguir no “intuito de apurar todo e qualquer ilícito. Doa a quem doer.” Na entrevista, ele considerou uma “barbaridade” que o grupo do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo continue na administração da UFSC e nas fundações onde, segundo ele, estaria “todo o esquema.” Cancellier chegou a ser preso na Operação Ouvidos Moucos a partir da denúncia de Hickel; dezenove dias após ser levado pela PF, ele cometeu suicídio em um shopping de Santa Catarina.

Na entrevista, o então corregedor-geral admitiu ter sido o responsável por denunciar ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF) os supostos desvios nos cursos de administração e física da Educação a Distância (EAD) do Programa Universidade Aberta na UFSC. O inquérito levou à prisão sete professores, incluido o reitor Luiz Carlos Cancellier.

— Ele (Hickel) não priva de confiança do atual reitor (Balthazar), que tem a prerrogativa de exonerá-lo a qualquer tempo do cargo de corregedor-geral — diz Áureo de Moraes, chefe de gabinete da reitoria. Ele nega que a exoneração seja uma artimanha para impedir investigação na instituição. — Ele nos ameaça não pelo conteúdo (da investigação), mas pelo método.

Aliados de Cancellier criticam o excesso da Operação Ouvidos Moucos. Segundo ele, os supostos desvios apontados pelo corregedor-geral poderiam ter sido apurados internamente e por órgãos de controle do governo, sem o envolvimento da Polícia Federal.

Como afastamento definitivo de Hickel, a corregedoria-geral será assumida por Ronaldo Davi Barbosa. No dia 8 de janeiro, Barbosa e Fabrício Guimarães, servidores de carreira da UFSC, preencheras duas vagas na corregedoria que estavam desocupadas.

As declações de Hickel ao GLOBO teriam causado indignação na comunidade acadêmica. Na conversa com o jornal, o então corregedor-geral reafirmou que o reitor Cancellier atuou para impedir a apuração dos supostos desvios.

— Ele menciona uma suposta fala do reitor, que já não pode contestar. Ele o acusa sem evidências, nenhuma gravação ou mensagem que comprove isso. Tudo isso é no mínimo uma atitude repugnante 1 diz um integrante da universidade.

Após a morte de Cancellier, Hickel se tornou alvo de protestos de alunos e hostilidades de funcionários. Ele entrou em licença médica no dia 24 de outubro. Deveria ter retornado ao trabalho em janeiro, mas requisitou férias. Em entrevista ao GLOBO, ele negou que seu afastamento tenha tido relação com os episódios na UFSC e não quis revelar o motivo da licença. Disse que estava com a pressão arterial alta e passou os últimos meses entre São Paulo e Curitiba fazendo exames médicos. Agora, segundo ele, aguarda o resultado de uma biópsia.

O mandato de Hickel como corregedor-geral seguiria até maio. Funcionário da Advocacia-Geral da União em Santa Catarina, ele se candidatou para o cargo na UFSC e foi escolhido pela antiga reitora a partir de uma lista tríplice aprovado pelo conselho universitário em 2016. Sobre o seu futuro na instituição, Hickel afirmou que só se candidataria de novo ao cargo se o grupo de Cancellier não vencesse as eleições para reitor previstas para março.

Nesta quarta-feira, Hickel voltou à univerisdade e teria pedido acesso irrestrito aos dados da instituição. Ao mesmo tempo, teria solicitado ao serviço de tecnologia que suspendesse a permissão dos dois outros corregedores.

ENTENDA O CASO

Após mais de quatro meses da deflagração da Operação Ouvidos Moucos na UFSC, o inquérito da Polícia Federal que apura supostos desvios de recursos em dois cursos da Educação a Distância do programa Universidade Aberta do Brasil está longe de um desfecho. Após 120 dias, ninguém foi indiciado; em janeiro, a PF pediu mais 90 dias para continuar a investigação.

O caso ganhou maior notoriedade após o suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Preso na ação e impedido de retornar à universidade, ele, alegando inocência, se jogou do sétimo andar de um shopping em Florianópolis, 19 dias após ser levado pela PF. Outros seis professores, também detidos sob acusação de envolvimento no esquema, seguem proibidos pela Justiça de voltar às suas funções na instituição.

Sob a sombra da morte do reitor, o inquérito já reúne mais de 3 mil páginas, incluindo depoimentos e documentos apreendidos na universidade. A delegada federal Erika Marena, que liderou um batalhão de mais de uma centena de policiais na ação no dia 14 de setembro, será transferida para Sergipe.

De acordo com as primeiras informações da PF, os desvios suspeitos seriam de R$ 80 milhões e teriam ocorrido no pagamento de bolsas e nas verbas de custeio para despesas para cursos de Física e Administração no programa Universidade Aberta. Os seis professores detidos teriam participado do esquema, enquanto Cancellier teria atuado para obstruir a investigação interna da corregedoria da universidade.

Aliados de Cancellier na UFSC contestam a investigação. Dizem que os valores sob suspeição não ultrapassariam R$ 500 mil e negam que o reitor soubesse dos supostos desvios e atuado para impedir os esclarecimentos.

Segundo o inquérito policial nº 419/2016 – SR/PF/SC, Cancellier nomeou no âmbito do EaD os professores do grupo que mantiveram a política de desvios e direcionamento nos pagamentos das bolsas do EaD; procurou obstaculizar as investigações internas sobre as irregularidades na gestão de recursos do EaD; e pressionou para a saída da professora Taisa Dias, que denunciou a história à Corregedoria, do cargo de coordenadora do EaD do curso de Administração.

Em seu depoimento à PF, Taisa afirmou que levou as denúncias de desvios primeiramente ao reitor, mas que Cancillier não tomou providência, e passou a ser pressionada a deixar o cargo. Diante disso, disse à PF, ela levou o caso à Corregedoria.

Fonte: Jornal O Globo