UFSCar barra 25% dos alunos que se declararam negros

Instituição cancelou 47 matrículas de estudantes que foram aprovados por meio de cotas

Uma estudante que disse ser parda não teve os documentos aceitos pela universidade do interior, mas obteve uma liminar

No segundo ano do funcionamento de seu sistema de reserva de vagas para negros, pardos e seus descendentes, a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) barrou 25% dos 185 alunos que passaram no vestibular por meio dessa política. No total, 62 matrículas via cota foram questionadas, das quais 47 foram canceladas.

A universidade, a única federal do interior do Estado, reserva 20% das vagas para alunos da escola pública. Dessas, 35% são reservadas para negros e pardos. O critério adotado para concorrer a essas vagas é a autodeclaração, ou seja, ao se inscrever para o vestibular o candidato se declara negro, pardo ou descendente de negros.

Aprovado, o candidato faz a matrícula. Se surgir contestação, porém, ele tem que provar o que declarou na hora do vestibular por meio de documentos. A descendência deve ser direta, ou seja, de pai ou mãe.

"Se alguém denunciou, a universidade deve averiguar se o que foi declarado é real; se não [for real], deve retirar a vaga daquela pessoa", diz o prefeito de São Carlos, Oswaldo Barba (PT), que era reitor da escola à época da adoção do sistema.

Foi o que aconteceu com a caloura do curso de imagem e som Larissa Candido Bergamaschi, 18, que se declarou parda e, em março, um mês após ingressar na UFSCar, teve sua matrícula contestada. Larissa se mantém na universidade graças a uma liminar.

A UFSCar não aceitou os documentos apresentados por ela. Segundo a instituição, eles deveriam ter uma indicação de cor e ser de "fé pública" -reconhecidos pela Justiça.

A estudante alega que, como nem ela nem a mãe possuíam documentos com declaração de cor, a solução encontrada foi ir até um cartório e registrar uma autodeclaração dizendo que era parda. "Ouvi dizer que podia ser um registro no cartório, então fiz e apresentei", disse.

A estudante diz ter a pele clara, mas com traços afrodescendentes -ela não aceitou fazer fotos. Segundo seu advogado, Joner Nery, foram reunidas provas da ascendência, como documentos e fotos de parentes. "A avó dela é negra, a mãe é parda, então ela tem direito."
"Como a questão é complexa e polêmica, sem dúvida sempre pode haver questionamentos", disse, em nota, a Procuradoria Jurídica da UFSCar. Segundo a universidade, o caso de Larissa, por enquanto, é único e será contestado judicialmente.

A possibilidade de um aluno ter sua matrícula cancelada após estudar um mês não demonstra a existência de falhas no sistema de reserva de vagas da UFSCar, diz a pró-reitora de graduação, Emília Freitas de Lima. Ela admite que os atuais questionamentos à política de reserva "não são os primeiros, nem serão os últimos".

Jean de Souza, colaboração para Folha de São Paulo (24.04)