Unesco: educação falhou

Levantamento, baseado na Prova Brasil de 2005, 2007 e 2009, mostra que cerca de 30% dos estudantes do fundamental vão para o ensino médio sem noções de português e matemática. Estudantes estão concentrados no Norte e Nordeste

Praticamente uma em cada cinco crianças terminou o ensino fundamental em 2009 sem ter alcançado condições básicas de compreensão de texto. Em 2005, foi pior, uma em cada três. Quando a disciplina muda para matemática, o dado é mais assustador. Aproximadamente 39%, ou quatro em cada dez estudantes, que concluíram os primeiros nove anos do ciclo educacional, entre 2005 e 2009, não tem o nível básico de competência para resolver problemas, o que se espera de um aluno nessa etapa do ensino. Os índices do Prova Brasil de 2005, 2007 e 2009 mostram, segundo análise da Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco), que, em algum momento, o sistema educacional brasileiro falhou.

De acordo com o levantamento da organização Exclusão Intraescolar nas Escolas Públicas Brasileiras, o perfil desses estudantes que não conseguiram alcançar o mínimo de desempenho está relacionado a uma série de fatores dentro e fora da escola. Segundo a pesquisa da Unesco, a maioria desses estudantes tem características comuns: tem piores condições socioeconômicas, estão concentrados nas regiões mais pobres do País – Norte e Nordeste -, nas escolas com os indicadores de qualidade mais baixos, com bibliotecas, instalações e condições de funcionamento deficientes. Outros fatores comuns também foram observados, em relação aos gestores e educadores desses alunos. As equipes que os atendem são as menos coesas, com menos escolaridade, piores condições escolares e maiores índices de violência escolar.

Para o coordenador de educação da Unesco, Paolo Fontani, os números mostram que o processo de aprendizado, para esses alunos, foi interrompido. “Esse tipo de atraso tem um impacto muito forte na capacidade de continuar a aprender por toda a vida”, alerta. Segundo ele, esses dados apontam que o aprendizado envolve três pilares com elementos de justiça social, equidade e inclusão. “Não podemos considerar que a responsabilidade dessa falha é da criança. Não é ela que tem que se adaptar. O sistema tem que ser capaz de ser inclusivo para fazer com que cada um tenha oportunidade de aprendizado”.

Esse sistema de ensino, para a professora de português da rede pública do Distrito Federal Keila Núbia, tem que priorizar a valorização da educação e o envolvimento dos pais. “Não ter uma boa estrutura não impede que os estudantes aprendam. O fato de o pai não acompanhar, não estar presente, dificulta. Vejo pelos meus alunos, os que tem pais empenhados, são os que saem na frente. Mesmo que eles sejam analfabetos, se eles valorizam, os alunos também se importam.”

Plano de ensino
O especialista em ensino com ênfase em matemática da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Cleyton Hércules Gontijo, concorda com a professora de português, mas destaca que, além do suporte familiar, um plano de ensino poderia ajudar a mudar esse cenário. “As diretrizes curriculares poderiam ser melhores. Os professores deveriam saber exatamente o que os estudantes devem aprender em cada etapa escolar e esse documento deveria ser o mesmo para todo País”. Programas com foco no currículo nacional, jornada de tempo ampliada, melhoria nas instalações físicas da escolas e qualificação dos docentes completam a lista de sugestões do especialista.

O baixo índice de rendimento dos jovens também preocupa o Ministério da Educação. O ministro Aloizio Mercadante adotou recentemente como meta para a pasta garantir a alfabetização na idade certa para conseguir melhores índices de aprovação. Um dos argumentos do ministro é de que se o estudante não estiver alfabetizado até os oito anos, dificilmente ele vai facilidade de aprendizado no restante da vida escolar.

A ampliação na oferta de educação integral nas escolas públicas brasileiras é considerada estratégica pelo governo federal para melhorar a qualidade do ensino no País. Porém, dados preliminares do Censo 2011, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontam que somente 1,7 milhão dos 30,4 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental têm acesso ao estudo em tempo integral.

O programa Mais Educação, instituído em 2007 pelo Ministério da Educação (MEC), funciona atualmente só em 15 mil do total de 195 mil escolas de ensino básico da rede pública. Os números demonstram que o MEC está longe de cumprir a meta proposta no Plano Nacional de Educação (PNE) – ainda aguardando votação na Câmara dos Deputados – de aumentar em 50% o atendimento integral até 2020.

Para o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, falta uma “política de financiamento mais robusta” para garantir a implementação efetiva da educação em tempo integral nas escolas públicas brasileiras. “Na verdade, o problema é ainda mais sério. Em média, o aluno brasileiro estuda 3,7 horas por dia, sendo que a jornada parcial imposta pelo Conselho Nacional de Educação é de cinco horas. Então, antes de pensarmos em educação integral, é preciso garantir carga horária de cinco horas para todo País”, critica.

O Censo 2011 também mostra uma queda de 2,1% nas matrículas da rede pública em relação a 2010, enquanto a rede privada apresentou crescimento de 4,7%. Segundo levantamento, as matrículas brasileiras em 2011 foram 84,5% em escolas públicas e 15,5% em escolas da rede privada.