USP na encruzilhada, editorial da Folha de São Paulo

Eleição do novo reitor deveria ser o momento propício para debater rumos da universidade, mas passa longe disso

A USP entra hoje na fase final da escolha do reitor sem que emane do processo eleitoral, esclerosado, uma visão sobre o papel futuro da mais produtiva universidade da América Latina, 75 anos depois de sua fundação.

A universidade está numa encruzilhada. O contribuinte paulista, que a sustenta, quer saber para onde pretende ir. A instituição se aliena ainda mais do público, entregue a conchavos entre facções de burocratas instaladas nos departamentos, conselhos e congregações.

São cerca de 320 os eleitores do segundo turno de hoje. Professores titulares compõem quase metade do colégio eleitoral, que fará sucessivos escrutínios até escolher três dos oito nomes de candidatos. A lista tríplice segue para decisão do governador; nos últimos pleitos saiu ungido pelo Executivo o nome mais votado da relação.

O método não tem sido capaz de alçar o comando da USP acima de um nível acadêmico-administrativo insatisfatório. Não se deve concluir daí, necessariamente, que a alternativa do voto direto por docentes, estudantes e funcionários vá conduzir a resultado mais auspicioso.

Várias instituições de excelência pelo mundo prescindem de eleições para selecionar seus dirigentes. O que importa, no caso da USP, é abrir um debate sem preconceitos sobre como aprimorar o seu modelo fossilizado.

Nos últimos anos, a USP experimentou uma expansão de vagas, em particular na graduação. Eram 44.696 em 2003; hoje são 55.863 -um salto de 25%. Já a dotação orçamentária, um percentual fixo da receita de impostos estaduais, quase duplicou no mesmo período, devendo ultrapassar R$ 2,8 bilhões neste ano.

Não foi em pesquisa, contudo, que a universidade colheu resultados proporcionais à alta na receita, acarretada pelo crescimento econômico. Dependendo de como se mede a produção científica, registra-se queda na média de trabalhos por docente entre 2003 e 2008 (de 6,9 para 4,9), se somados todos os publicados. Ou acréscimo (de 0,9 para 1,5), se computados só artigos que saíram em periódicos científicos de gabarito internacional.

Tal desempenho decorre antes de uma mudança de prioridades entre cientistas, em busca de mais pontos na avaliação por agências de fomento à pesquisa, que de algum avanço notável. Não houve investimento significativo na área, nem poderia, pois o orçamento, mesmo em expansão, tem parcela descabida engessada pela folha de pessoal: 86,3% em 2008 (do que sobra, boa parte vai para despesas de custeio também obrigatórias).

Apesar disso, a USP não paga salários condizentes com a qualificação esperada de seus professores. Um doutor em início de carreira, com dedicação integral, ganha R$ 6.707, bem abaixo dos R$ 12.000 iniciais para algumas carreiras de Estado no governo federal, por exemplo.
Para prosseguir fornecendo quadros para a sociedade brasileira, a USP precisa ser dirigida pelos melhores entre seus próprios quadros -pessoas que reúnam capacidade gerencial e liderança acadêmica. O escrutínio de hoje não dá garantias de que o objetivo será alcançado.

Folha de São Paulo, 10/11/09