O nome soa novo, mas nomeia velho e conhecido fantasma. Em bom português, hiato educacional é nada mais, nada menos que defasagem. Numa situação ideal, o aluno completa o ciclo básico em 11 anos — oito de ensino fundamental e três de médio. A Constituição tornou obrigatórios os oito anos iniciais. Mas a força da Lei Magna não foi suficiente para levar meninos e meninas a percorrer o trajeto que conduz da entrada à saída. Muitos ficam pelo caminho.
Calculado pelo Ipea, o hiato educacional varia segundo faixas etárias. Na população que ultrapassou os 30 anos, a defasagem é mais aguda — 5,1 anos. Significa que as pessoas desse grupo se sentaram nos bancos escolares por apenas 2,9 anos. Na faixa de 25 a 29 anos, o buraco é de 4,1 anos. O quadro assume contornos menos dramáticos entre jovens de 15 a 17 anos — 2,8 anos.
A evolução da lacuna permite concluir que, embora lentas, houve melhoras. Menos alunos abandonaram o barco antes da chegada ao cais. Mas o avanço foi insuficiente. O país, há quase quatro décadas, empenhou-se em universalizar o acesso à escola. Conseguiu. Hoje, mais de 97% das crianças são matriculadas na idade certa. A trajetória, porém, não corresponde às expectativas nem às necessidades. Ocorrem, então, duas respostas indesejáveis. De um lado, a repetência. De outro, a evasão.
O hiato apontado pelo estudo do Ipea é a conseqüência das reações à frustração gerada pela inadequação da oferta à procura. A criança não encontra em salas de aula a motivação para subir degraus na escada do conhecimento. Professores sem estímulo, currículos voltados para o passado, material didático ruim e pouco atraente, recursos tecnológicos precários, bibliotecas mortas, laboratórios inexistentes ou inativos, nada estimula a criança a avançar, a sentir vontade de desbravar universos desconhecidos. Em suma: a ter acesso ao conhecimento.
Mudar o quadro da educação nacional pressupõe guinada de comportamento. A política educacional deve ser de Estado, não de governo. Vale inspirar-se na saúde. Independentemente do partido que esteja no poder, o país promove campanhas de vacinação há décadas. Conseguiu, com elas, erradicar doenças e manter outras sob controle. O sucesso alcançado tornou o Brasil referência da Organização Mundial da Saúde.
A educação, para recuperar o tempo perdido, necessita de tempo, ritmo e continuidade. É crucial não aumentar o estoque de brasileiros com hiatos educacionais. Para tanto, deve-se ter claro que matricular o aluno constitui passo importante, mas não suficiente. Impõe-se oferecer-lhe conteúdos necessários e atraentes para que ele aprenda, passe de ano e se mantenha no convívio de letras e números.
(Correio Braziliense – Opinião – 16/10/2008)