TCU vê abuso de fundações em pesquisas

São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

Tribunal determina que repasses de verbas para projetos científicos públicos sejam feitos diretamente às universidades

Instituições de ensino usam entidades de apoio para agilizar gestão de recursos; prática abre brecha para driblar licitações, diz MEC

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Um acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União) que aponta irregularidades na relação das universidades federais com suas fundações de apoio está provocando a reação de pesquisadores, que temem que as novas regras engessem seus projetos. Para o TCU e para o MEC (Ministério da Educação), porém, a decisão pretende apenas pôr um fim no abuso cometido por entidades públicas que, em muitos casos, podem se beneficiar de seu regime jurídico diferenciado para burlar a lei de licitações ou assumir tarefas fora de sua competência.
A decisão surgiu após várias denúncias de irregularidades, a mais famosa delas de uma fundação da UnB (Universidade de Brasília) que usou recursos para equipar o apartamento do ex-reitor Timothy Mulholland.
O TCU fez então uma auditoria em 464 contratos e convênios de 14 instituições federais que somavam R$ 950 milhões, e identificou uma série de irregularidades. A partir deste levantamento, foi aprovado, em 26 de novembro, um acórdão que determina providências aos órgãos federais, dando prazo de 180 dias para adequação.
O ponto que está preocupando mais pesquisadores é a obrigação de que os repasses de agências financiadoras de pesquisas federais sejam feitos para as universidades, e não mais para fundações de apoio.
"Esse acórdão é um desastre para a pesquisa. É uma mentalidade burra, de um país visto pela lente de advogados que não conhecem como funciona um centro de pesquisas", diz o diretor da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa.
Segundo o cientista, se suas verbas caírem na conta da universidade, e não na de sua fundação de apoio, a instituição não terá condições de gerenciar seus 700 projetos. Alguns deles precisam de agilidade para contratar pessoal, realocar recursos ou fazer compras, afirma.
Como as fundações têm regime jurídico privado, elas não precisam seguir a Lei de Licitações. O argumento de muitos cientistas é que a lei cria lentidão sem impedir a corrupção, pois não garante que a compra seja feita pelo menor valor de mercado: há atuação de cartéis.
José Raimundo Coelho, tesoureiro da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), diz que a entidade está preocupada: "As pessoas não têm ideia do tempo que pesquisadores perdem com questões burocráticas. Fundações foram criadas para garantir alguma flexibilidade. Qualquer ação que limite isso nos preocupa".
Ele admite que há casos de fundações de apoio que extrapolam suas funções, mas diz que não se deve generalizar.

Pedido de autonomia
O acórdão do TCU gerou também reações na Justiça. A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) conseguiu no Supremo Tribunal Federal liminar que a autoriza a financiar projetos via fundações.
Gustavo Balduíno, secretário-executivo da Andifes (associação de reitores federais), diz que a entidade trabalhará para adequar universidades ao acórdão, mas pedirá a revisão de alguns tópicos e mais debates sobre a autonomia dos reitores na gestão dos recursos.
"Nunca confundimos autonomia com soberania, mas há questões em que temos divergência de interpretação com o TCU. O órgão nunca questionou, por exemplo, o repasse de agências como a Finep para fundações de apoio. Isso pode trazer grandes transtornos".