UnB mantém gasto alto com cartão mesmo após escândalo

Outras universidades tiveram queda nas despesas após crise dos cartões corporativos

Instituição, que gastou R$ 974 mil, diz que liderança no ranking se deve ao fato de captar mais recursos para pesquisa do que as demais

LUCAS FERRAZ
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Contrariando uma tendência verificada em outras universidades federais após o escândalo das despesas com cartão corporativo do governo, a UnB (Universidade de Brasília) manteve alto o ritmo de gastos com esse meio de pagamento e repetiu ao longo de 2008 despesas condenadas pela CGU (Controladoria Geral da União).
De acordo com dados do Portal da Transparência (www.transparencia.gov.br), no ano passado funcionários da universidade utilizaram o cartão em estabelecimentos de alto padrão, como delicatessen, e fizeram saques de altos valores em dinheiro em caixas eletrônicos, prática rechaçada pela CGU por impedir o controle dessas despesas.
Há um ano, gastos irregulares geraram uma crise que levou à demissão da então ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) e que motivou o governo a criar regras que visavam disciplinar o uso dos cartões.
Em 2007, a UnB gastou R$ 1,2 milhão com os cartões. Em 2008, de janeiro a novembro (último mês de consulta disponível), a universidade manteve o ritmo, atingindo R$ 974 mil. O valor representa 20% de todo o montante gasto no ano passado pelo Ministério da Educação (R$ 4,8 milhões).
Nas demais universidades, os gastos tiveram queda mais acentuada. A Universidade Federal do Paraná, que em 2007 registrou a segunda maior despesa com os cartões (R$ 504 mil), ficando atrás da UnB, reduziu, no ano passado, o uso do cartão em 59% (R$ 203 mil).
Em 2008, o segundo lugar pertence, até o mês de novembro, à Universidade de Santa Maria, que gastou menos de um terço da UnB (R$ 288 mil).
A UnB, por meio de sua assessoria, diz que a liderança no ranking se deve ao fato de a instituição captar mais recursos para pesquisa que as demais.
Apesar da tendência generalizada de queda dos gastos, não há nada em todo o governo comparável à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A universidade aposentou seus cartões após a renúncia, em agosto passado, do reitor da instituição, Ulysses Fagundes Neto, que usou o cartão para adquirir itens pessoais de luxo em viagens internacionais.
Em 2008, os quatro cartões da Unifesp pagaram despesas de R$ 6.568,35, das quais 89% (R$ 5.868,35) foram realizadas pelo próprio Fagundes Neto, incluindo o gasto pessoal em uma farmácia paulistana. Em 2007, a Unifesp gastou com o cartão R$ 322 mil -naquela época, o ex-reitor foi responsável por mais de R$ 40 mil.
Em despesas computadas neste ano, dois funcionários da UnB gastaram R$ 1.041 na mercearia La Palma, especializada em produtos de alto padrão, como queijos e frios. Também há gastos na confeitaria Monjolo, uma das mais caras de Brasília.
Outro funcionário gastou R$ 400 no Point Canetas da Feira dos Importados, mais conhecida como Feira do Paraguai -batismo que decorre do fato de se tratar de um tradicional ponto de venda de produtos falsificados e contrabandeados.
Também chama a atenção os saques em caixas eletrônicos feitos por um professor da universidade. Foram 46 retiradas entre o fim de 2007 e novembro do ano passado, sempre no valor de R$ 1.000.
Durante a crise dos cartões corporativos, o abuso dos saques foi considerado pelo ministro Jorge Hage o principal problema no uso do meio de pagamento. Apesar de o responsável pelos saques ter que prestar contas a seu superior, quando o cartão é usado com este fim os gastos realizados não são disponibilizados no Portal da Transparência.
Devido a esse motivo, a CGU decidiu restringir os saques aos órgãos que têm despesas chamadas de "peculiares" e aos gastos de caráter sigiloso.

Outro lado

Professor defende cartão para controlar gasto

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Decano de finanças da UnB (Universidade de Brasília), o professor Pedro Murrieta defendeu o uso dos cartões corporativos como forma mais transparente e passível de maior controle para as despesas urgentes da universidade.
"O fato de você estar usando mais ou menos [os cartões] não é necessariamente mau ou bom. O objetivo não é reduzir [os gastos com os cartões], é ter o uso adequado, de acordo com as necessidades. E em termos de controle de gastos, o cartão foi um avanço", disse Murrieta.
O professor reconheceu que, eventualmente, podem ocorrer irregularidades no uso dos cartões por parte dos funcionários, mas não comentou os gastos em estabelecimentos de alto padrão e a compra realizada na Feira dos Importados.
A Folha enviou por e-mail detalhes desses gastos, extraídos do Portal da Transparência, mas até o fechamento desta edição não obteve da universidade explicação para os gastos.
Sobre o caso do professor Frederic Adelin, que realizou 46 saques de R$ 1.000 em caixas eletrônicos, Murrieta disse que se trata de um caso excepcional em que os saques são justificados.
Segundo o decano, Adelin trabalha em uma pesquisa em área de floresta, no Pará, distante dez horas de barco de Santarém, a cidade de maior porte mais próxima. Por isso, disse, foram necessárias seguidas retiradas de R$ 1.000 (limite por saque), usados para custear despesas como alimentação e transporte de sua equipe.
A assessoria de imprensa da Unifesp informou que o uso dos cartões corporativos pela instituição foi suspenso após as denúncias envolvendo o ex-reitor, Ulysses Fagundes Neto.
"Em virtude da constatação de que ainda existiam dúvidas sobre as regras para uso do cartão -e para evitar novos usos que pudessem ser questionados-, houve recomendação no sentido de que se interrompesse a utilização do instrumento, ainda que isso implicasse em maior lentidão nos processos de compra", diz em nota.

Folha de S. Paulo (14/1/2009).