A Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) inaugura nesta quinta-feira o Centro de Estudos Brasileiros e consolida-se como uma das maiores produtoras de conhecimento sobre o país nos Estados Unidos, ao lado da Universidade de Harvard. A nova unidade, autônoma, deve colaborar para direcionar mais investimentos para pesquisas sobre o Brasil e para a concessão de bolsas de estudo a alunos brasileiros, em um momento de cortes e de retração na economia.
Para marcar a abertura do Centro, a universidade organizou uma mostra iconográfica sobre o Rio de Janeiro compreendendo o período de 1808 a 2008, e reunindo imagens de Debret, Rugendas e outros autores, como o inédito Raebel Hermann. Tenente da Marinha Americana, Raebel visitou o Rio de Janeiro em 1860 e registrou suas impressões em aquarelas que até hoje permanecem desconhecidas do público. As aquarelas foram adquiridas pela biblioteca da UCLA, uma universidade pública, para comporem o acervo de cerca de 1.500 obras raras sobre o Brasil.
O Centro, que reúne pesquisadores de diferentes áreas, como Letras, Sociologia, História, Geografia e Urbanismo, entre outras, pretende ir além dos limites do campus, incluindo em sua agenda, por exemplo, associações entre elites empresariais brasileiras e dos Estados Unidos, pesquisas sobre a biodiversidade brasileira, com foco em medicina alternativa, cadeias de migração para os Estados Unidos e relações entre mercados globais e mercados regionais no Cone Sul do continente. A idéia para os primeiros dois anos de funcionamento do Centro é dar especial atenção para os diferentes tipos de redes históricas e contemporâneas relacionadas com a criação, desenvolvimento e situação atual do Brasil em um contexto mundial.
"Não podemos pensar o Brasil como um fenômeno pronto, estanque, com uma identidade nacional única, mas sim como o país se conforma nas diferentes redes, em sua diversidade", explica o diretor do Centro, o pernambucano José Luiz Passos, ele mesmo um exemplo multidisciplinar: graduado em Sociologia, doutor em Letras, especialista em Mário de Andrade e Machado de Assis, professor de Literatura Portuguesa e Brasileira, dramaturgo e ficcionista (lança seu primeiro romance, "Nosso Grão Mais Fino", dia 17, no Recife, pela editora Objetiva). Para abrigar pesquisas em diferentes áreas do conhecimento, o Centro deve lançar, a cada dois anos, um tema guarda-chuva.
O Centro tem origem no Programa sobre o Brasil, desenvolvido pelo Instituto Latino-americano da UCLA, ao qual a nova unidade está ligada. O programa promove encontros mensais com pesquisadores para palestras sobre estudos concluídos ou em andamento e têm abordado temas tão diversos como reciclagem de lixo, crise de masculinidade no romance brasileiro, arquitetura brasileira, bossa nova e medicina.
O centro também deverá assinar termos de cooperação acadêmica e científica com universidades brasileiras. Já há acordos da UCLA com Unicamp, USP e UFRJ. "Estamos agindo para fortalecer relações com as universidades brasileiras, para promover o intercâmbio, ao mesmo tempo em que queremos diminuir a distância entre a universidade e a comunidade" , conta o brasilianista Randal Johnson, diretor do Instituto Latino-americano. Johnson também adiantou ao UOL que a UCLA quer organizar, por meio do Centro, uma associação de ex-alunos no Brasil, para, entre outros objetivos, proporcionar bolsas de estudos a novos estudantes. Nos Estados Unidos, as "alumni association" respondem por parcela importante dos orçamentos das universidades, financiando, além de bolsas estudantis, pesquisas e o oferecimento de novas disciplinas.
Randal Johnson, um especialista em cinema brasileiro, trabalha atualmente na biografia do legendário Joe Wallack, o norte-americano que ajudou a construir a Rede Globo, ao lado de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e Walter Clarck. Wallack, ex-funcionário da Time-Life, trabalhou para a Globo entre 1965 e 1980. Entusiasmado com a criação do Centro, Johnson pretende aumentar investimentos em aquisições da produção cultural brasileira. "Este ano vamos comprar muitos filmes brasileiros", adianta. O interesse em relação ao Brasil, segundo Johnson, vem aumentando nos últimos anos. "Lula e seu governo têm imagem muito positiva nos Estados Unidos, como um contraponto do [presidente da Venezuela, Hugo] Chávez. Agora é hora de intensificar o trabalho. Há muita gente interessada no Brasil, dentro e fora da universidade", diz.
O professor José Luiz Passos avalia que a agenda imposta pelo ex-presidente George W. Bush, marcada por guerras e problemas econômicos, tirou o Brasil da pauta. "Isso tende a mudar com o presidente Obama, que deve dar mais atenção para a América Latina", diz.
A mostra iconográfica sobre o Rio de Janeiro, que abre nesta quinta-feira, ficará aberta ao público até junho, com 60 imagens escolhidas entre as obras raras sobre o Brasil na coleção especial da biblioteca da UCLA, que tem 6 milhões de volumes. A coleção tem, entre outras raridades, originais de Debret e autógrafos de Machado de Assis e Clarice Lispector. Todo o acervo está acessível ao público. São curadores da mostra, além do professor Passos, os brasilianistas Stephen Bell e Ludwig Lauerhass Jr.