Amaro Henrique Pessoa Lins, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior (Andifes), diz que ouvirá sociedades Científicas, Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal antes de definir propostas a serem enviadas ao MEC.
Por Luís Amorim, Jornal da Ciência (06/02/09)
Em sua primeira reunião, realizada na UnB em 27 de janeiro, a Comissão Permanente da Andifes bateu na tecla: a necessidade da autonomia universitária para as universidades federais. Prevista inicialmente na reforma do ensino superior, de 1968, a autonomia universitária foi consagrada 20 anos depois na Constituição Federal. Seu artigo 207, com as alterações da Emenda Constitucional nº 11, de 1995, estabelece que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.
Porém, o presidente da entidade e reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Amaro Henrique Pessoa Lins diz, em entrevista ao Jornal da Ciência, que "a autonomia ainda não saiu do papel".
Leia a entrevista de Amaro Lins sobre autonomia universitária, o papel das Ifes na melhora da educação básica, mobilidade acadêmica e orçamento:
Como será conduzido este processo de construção da autonomia universitária?
– Além da criação de uma comissão dentro da Andifes para debater o tema, iremos realizar seminários com a participação das universidades federais, das sociedades científicas, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público Federal e de outros interessados para debater os entraves e suas possíveis soluções. Para chegarmos a um consenso, é preciso levar em consideração todos os questionamentos, levantados por todas as partes, porque há diversos pontos de vista. O reitor tem o seu ponto de vista sobre a autonomia e suas dificuldades, mas o Tribunal de Contas da União pode ter outra visão. Queremos compatibilizar as diferentes visões para que haja a definição de um projeto de autonomia que de fato atenda às necessidades das instituições e da sua inserção dentro da sociedade.
Quais seriam os principais entraves já mapeados?
– Falta autonomia na gestão financeira, administrativa e de pessoal. Na gestão financeira, o nosso orçamento vem totalmente carimbado de Brasília, dizendo quanto eu vou poder usar pra custeio e quanto para investimento. Se a minha universidade precisar investir mais em capital porque eu aumentei um curso e estou precisando construir um laboratório e adquirir novos equipamentos de informática, eu não posso tirar recursos que estejam na rubrica de custeio e alocar em capital. Em pessoal, por exemplo, na minha universidade [Federal de Pernambuco] há um quadro extremamente defasado de técnicos-administrativos, porque muitos funcionários se aposentaram ao longo dos últimos 15 anos e a reposição não atende nem de longe ao que perdemos. Eu não tenho autonomia, mesmo como reitor, de abrir concurso tão logo ocorra uma aposentadoria deste pessoal. Em parte, este problema foi saneado pelo MEC quando instituiu o programa de professor equivalente. Para docente, desde março do ano passado a instituição tem autonomia para abrir um concurso caso ocorra uma vacância docente. Do ponto de vista administrativo, a universidade hoje é comparada a qualquer instituição pública, apesar de ser totalmente diferente. A ciência e a pesquisa exigem decisões e processos muito mais rápidos, eu não posso ficar amarrado na mesma lógica que rege todo o sistema. Mas fique claro que não achamos que as universidades são soberanas, elas têm que estar submetidas aos controles que já prestamos todos os anos, mas também precisam ter meios de fazer uma gestão eficiente.
E quais são as propostas da Andifes?
– Precisamos de autonomia para a definição do nosso quadro, podendo alocar os recursos humanos, entre pessoal técnico e docente, de acordo com a necessidade de cada instituição. Do ponto de vista financeiro, acreditamos que a universidade deve ter um orçamento global. As Ifes deveriam ter uma dotação orçamentária para 2009, e, dentro da instituição, o reitor, juntamente com seus conselhos superiores, deveria definir qual seria a alocação de verba em cada uma das rubricas da universidade, e eu poderia, ao longo do ano, caso necessário, fazer alterações. Outra ação fundamental seria permitir que os recursos excedentes de um ano possam ser repassados ao ano seguinte. A falta desta autonomia é que causa o problema das fundações. Nada mais lógico de que, se usei 80% do meu orçamento em 2008, eu possa usar o restante em 2009, com calma, para atender os projetos já planejados. Sem esta autonomia e sem as fundações não há meio de fazer este remanejamento. Esta confusão do acórdão do TCU [que apontou irregularidades em 16 instituições federais] é por falta de autonomia financeira universitária. Hoje, se tivéssemos autonomia, não precisaríamos contratar uma fundação para desenvolver atividades que são das universidades.
A autonomia acabaria com as fundações universitárias?
Acho que as fundações vão continuar sendo necessárias para atividades específicas. Elas têm uma agilidade que em alguns casos é necessária, mas que a autonomia vai diminuir e muito as atividades das fundações não há a menor dúvida.
As universidades do estado de SP são um modelo a ser seguido pelas federais?
Corrigida a questão de pessoal, porque o gasto com inativos era contabilizado dentro do orçamento das universidades estaduais e passará para a previdência, acho um excelente modelo.
O MEC acaba de instituir a PolíticaNacional de Formação de Profissionais do Magistério. Qual deve ser o papel das Ifes na formação docente e melhora do ensino básico?
– Acho fundamental a universidade colocar como prioridade este projeto, porque nós precisamos resolver o gargalo do ensino básico, que é principalmente o da qualidade. O Brasil já alcançou uma excelente cobertura no ensino fundamental e temos que melhorar ainda a do ensino médio; mas a qualidade é o ponto chave, então o foco tem que ser qualificação e formação de professores. As Ifes têm um papel importantíssimo qualificando os professores que já estão na rede e que estão precisando de uma formação mais sólida. E nós já estamos realizando estas ações. Dentro do Reuni, a formação de professores foi uma prioridade em quase todas as instituições, com a criação de novos cursos de licenciaturas e a ampliação de vagas. Ao mesmo tempo, as federais têm tido um papel fundamental na qualificação dos profissionais que já estão na rede, com cursos de capacitação, especialização, extensão e de strictosensu, além de cursos específicos em áreas onde há demandas pontadas pelas secretarias de Educação dos estados.
Outro programa lançado pelo MEC incentiva a mobilidade acadêmica entre docentes e estudantes das Ifes. Como a Andifes vê esta iniciativa?
– É muito bom o MEC abrir este programa porque antes havia a iniciativa das Ifes mas não havia recursos. Cada instituição fazia por si só com os poucos recursos que tinham. A troca de experiência permite que cada instituição possa apresentar suas melhores experiências, que podem ajudar a solucionar deficiências em outras universidades. Temos que trocar experiências, mas, claro, sem ser do ponto de vista da colonização. Cada universidade tem algo bom a mostrar, independentemente da região ou estado da federação.
Como a Andifes está agindo em relação aos cortes no orçamento do MCT e MEC?
– Participamos ativamente de todo o processo, estivemos com a comissão de orçamento e com o próprio senador Delcídio Amaral, mostrando a importância de não haver cortes nos orçamentos da Educação e C&T, mas houve este corte dramático. Porém, nas discussões que tivemos com o Governo e com o MEC, foi assegurado que não haverá corte na Educação. Não podemos aceitar, e eu não digo nós da academia e sim nós a população brasileira, que haja qualquer tipo de corte nestas áreas. Seria um retrocesso, é condenar o país ao atraso. É necessário que haja prioridade nessas áreas, mesmo em detrimento de outras. Um quilômetro de estrada você pode adiar, mas a formação e desenvolvimento da pesquisa são inadiáveis.
Tradicionalmente, vocês conseguem no Congresso a edição da Emenda Andifes. Como será este ano, visto que mesmo o orçamento para a áreanão foi aprovado sem cortes?
– Fizemos uma proposta para a Comissão de Orçamento, de R$ 200 milhões. O que ficou acertado foi algo em torno de R$ 10 milhões. Tentamos renegociar para R$ 50 milhões, próximo ao valor de 2008, de R$ 53 milhões, mas houve este corte brutal. Ainda vamos tentar recompor a emenda porque o valor proposto é fundamental para que as universidades tenham condições de melhorar a sua infraestrutura. Nós aumentamos vagas e criamos novos cursos através do Reuni, pelo compromisso que tínhamos com o crescimento do país, mas a nossa estrutura está muito defasada perto do crescimento proposto, seja em equipamentos, veículos e estrutura predial. A emenda Andifes é específica para esta ação.