O que se vê no artigo do ministro da Educação é um discurso político-partidário e eleitoral, sem correlação com a realidade
Dono de notável senso de oportunidade, o ministro da Educação publicou nesta Folha (29/3) artigo em que se apropria de ações anteriores ao governo Lula. Incita a politização de área que precisa de política de Estado, não de partidos. Coloca-se na posição de mero observador das políticas educacionais que vêm sendo implantadas no país.
Segundo o artigo, a adesão de prefeitos e governadores ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) comprova que há acordo entre os gestores públicos quanto a diretrizes e metas. As estratégias para melhorar a qualidade da educação é que seriam diferentes.
Não é bem assim. A adesão ao PDE é condição para que os governos recebam recursos do MEC. No mérito, o PDE faz um pacote com as políticas anteriores a este governo ou que já são adotadas por alguns Estados e municípios há muito tempo.
Politizar a questão educacional é a contribuição mais inovadora no artigo do ministro, segundo o qual governos e estratégias para melhorar a educação dividem-se entre progressistas e conservadores.
Os progressistas defenderiam a manutenção das vinculações constitucionais para a educação e o fim da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que permite ao Executivo dispor livremente de até 20% da arrecadação dos principais tributos. Os conservadores, em sua visão simplista, lutariam pelo fim das vinculações e pela manutenção da DRU, sob o argumento de que não é preciso gastar mais, mas gastar melhor.
O argumento não se sustenta. Por que só pensa nisso depois de sete anos de governo Lula? Onde estava o ministro em 2007, quando seu governo prorrogou a DRU até 2011? Por que não propõe acabar já com a DRU, retroativamente a janeiro de 2009? As respostas são óbvias: pois o que se vê no artigo do ministro da Educação é um discurso político-partidário e eleitoral, sem correspondência com a realidade.
Suas propostas são progressistas, desde que o próximo governo -e não o atual- pague a conta. Todos os secretários municipais lutam por mais recursos para a educação. Na contramão do que hoje faz o MEC, defendem prioridade à educação básica e partilha menos injusta do Fundeb, com mais recursos para a educação infantil, mais cara e que precisa se expandir.
O carimbo nos conservadores de cartilha inclui o pagamento de bônus por mérito aos professores de escolas cujos alunos melhorem seu desempenho. O alvo é claro: a política de bônus aos profissionais da educação do governo Serra em São Paulo. Premiar com até três salários os professores pune o sistema? Não se trata aqui de discutir os salários dos professores -nesse ponto, estou em situação confortável por ter recuperado as perdas salariais ocorridas na gestão que me antecedeu, na qual nosso ministro teve papel relevante.
A questão é reconhecer o mérito daqueles que cumprem melhor a função básica da escola: educar. Por fim, nossos progressistas de manual querem corresponsabilizar os políticos pela qualidade da educação ao divulgar os dados da Prova Brasil na época das eleições. Tudo bem. Mas é evidente que essa responsabilidade envolve pesadamente o próprio Ministério da Educação. Ainda que estivesse certo, é imperdoável -para ser generoso- que o MEC tenha divulgado duas vezes, na véspera de eleições, dados errados sobre a educação na cidade de São Paulo. Pior, que tenha justificado o erro culpando as vítimas e alegando que se divulga primeiro e se corrige depois -de preferência, depois das eleições.
O mundo não é binário. Os gestores da educação pública no país não se dividem em progressistas e conservadores. A maior diferença talvez esteja entre os que não confundem discurso eleitoral com empenho em melhorar a educação e aqueles que fazem política partidária com a política educacional. Quero crer que o ministro da Educação integre o primeiro grupo e que seu artigo tenha sido apenas um ponto fora da curva. Até porque o prazo para desincompatibilização de candidatos vence só no ano que vem, a crise atual não é pequena e a educação requer atenção vigilante de todos.
ALEXANDRE SCHNEIDER, 39, mestre em políticas públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), é secretário municipal de Educação de São Paulo. Foi chefe de gabinete das secretarias de Transportes e da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Mário Covas) e secretário-adjunto do Governo de São Paulo (gestão José Serra).
Folha de São Paulo, 03/04