Levantamento do Correio aponta que maioria dos senadores da CCJ é contra o projeto que prevê reserva de vagas nas universidades para índios, negros e pardos. Parlamentares defendem critério socioeconômico
Depois de tramitar por uma década na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que institui as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas corre o risco de voltar à estaca zero. Levantamento do Correio mostra que apenas os seis parlamentares do bloco de apoio ao governo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde a matéria aguarda parecer, são favoráveis à utilização do critério étnico para a reserva de vagas. Os demais senadores — no total são 23 titulares, além do presidente e do vice — devem acompanhar o voto em separado que será apresentado pelo presidente da comissão, Demostenes Torres (DEM-GO). No relatório paralelo, ele vai retirar o ponto mais polêmico do projeto: o critério racial. A votação na CCJ está prevista para a próxima quarta-feira.
Desde que a proposta chegou ao Senado, depois de aprovado na Câmara, o parlamentar expressa sua opinião contrária. Embora reconheça que índios, pardos e negros tenham sido excluídos historicamente, Torres acredita que as cotas raciais podem dividir a sociedade brasileira. "A característica do povo brasileiro é a miscigenação, e uma lei que leva em conta as diferenças étnicas é racista", costuma defender.
O voto do presidente vai bater de frente com o relatório da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que será favorável ao texto enviado pela Câmara, que prevê tanto o recorte social como o étnico. Para ela, retirar do PLC 180/08 o critério racial é descaracterizar o projeto. "Já disseram que essa lei, uma vez aprovada, estaria legitimando o racismo, mas não consigo entender o porquê. Ao contrário, não aprová-la é que é uma atitude racista", diz a parlamentar, que ontem participou de um ato público em defesa do projeto.
Em seu relatório, Serys vai rejeitar o PLS 344/08, do senador Marconi Perillo (PSDB-GO), que tramita apensado ao PLC 180/08. A proposta do parlamentar é destinar parte das vagas nas instituições de ensino superior a alunos egressos de escolas públicas, por um período de 12 anos. "O critério de natureza social contém o de natureza étnica e racial, mas a recíproca não seria verdadeira. A proposta para a implantação de reservas de vagas nos cursos de graduação ficará mais bem assentada se a voltarmos para os estudantes que tenham cursado os quatro últimos anos do ensino fundamental e todo o ensino médio em escolas públicas estaduais e municipais", argumenta Perillo.
Já a senadora defende veementemente que a reserva de vagas para pardos, índios e negros é uma forma de fazer justiça a pessoas que foram excluídas do processo educacional. Professora durante 26 anos em Mato Grosso, ela diz que pode contar nas mãos a quantidade de alunos negros e indígenas que teve em sala de aula. "Já temos muitas universidades que têm o corte da escola pública. Temos universidades que têm o corte da renda e temos universidades com corte da questão do negro. Mas um projeto de lei que traga no seu bojo os três cortes, isso é que vai ser a transformação para valer para pessoas que nunca tiveram oportunidades", argumenta.
Perillo afirma, porém, que defender cotas unicamente sociais não é uma forma de negar a injustiça histórica cometida contra parte da população. "Priorizar o critério social não significa ignorar os 300 anos de escravidão do Brasil, tampouco desconsiderar que, ao final do processo de abolição, não houve qualquer mecanismo de integração do negro à sociedade", diz. Mas, para o parlamentar, é importante usar o corte de renda para corrigir as distorções que atingem a sociedade contemporânea.
Em seu relatório, a senadora vai usar o argumento de que pesquisas mostram que, mesmo entre pobres, os negros são mais desfavorecidos socialmente. Já para combater juridicamente o argumento de que as cotas ferem a autonomia universitária, ela vai remeter a um voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau, segundo o qual "o exercício desta autonomia não pode, contudo, sobrepor-se ao quanto dispõem a Constituição e as leis".
Na quarta-feira, durante a reunião da CCJ, o relatório de Serys será lido, seguido pelo voto em separado. Qualquer que seja o resultado da votação, a matéria seguirá para as comissões de Educação e Direitos Humanos para, em seguida, ser votada no plenário da Casa. Se sofrer qualquer modificação em relação ao texto original, o projeto voltará à Câmara dos Deputados. A senadora admite que a batalha é difícil, mas diz que tem expectativas de convencer os senadores a mudarem de opinião na terça-feira, quando haverá uma reunião, acordada entre ela e Demostenes Torres, com os demais membros da CCJ. De acordo com a senadora, o objetivo será "afinar" a proposta. Mas ela avisa: não abre mão das cotas raciais. "Do meu ponto de vista, nesse caso, não tem meio-termo. Ou se é a favor ou contra", diz.
Paloma Oliveto – Correio Braziliense, 24/04