Ministro agora quer alterar currículo e carga horária do ensino médio, mas falta explicitar qual é o plano por trás da ideia
É RARO o mês em que o Ministério da Educação (MEC) deixa de brindar a opinião pública com uma nova proposta para a educação no Brasil. Entre as mais recentes estiveram a unificação do processo seletivo para universidades federais e a modificação do Enem para que lhe sirva de base, apoiadas pela Folha.
Agora vem à baila que se prepara uma alteração do currículo do ensino médio, talvez o mais problemático dos níveis de educação básica. Neste caso, contudo, parece mais adequado adotar atitude cautelosa, se não cética.
A revelação não partiu diretamente do ministro da Educação, Fernando Haddad, mas de documento interno do Conselho Nacional de Educação obtido pelo jornal. A minuta de parecer descortina que a Secretaria de Ensino Básico do MEC submeteu ao conselho a proposta de agrupar as atuais 12 disciplinas do ensino médio em quatro grupos: línguas, matemática, ciências humanas e ciências exatas e biológicas. Em paralelo, a carga horária de 2.400 horas em três anos seria aumentada em 25%, para 3.000 horas.
Em lugar de aulas separadas e estanques de biologia, física e química, por exemplo, haveria atividades interdisciplinares, com ênfase em aulas de laboratório. O "princípio educativo" da aglutinação seria o mundo do trabalho e da produção, ainda que não de um perspectiva apenas profissionalizante.
O objetivo, segundo a proposta, seria dar ao aluno meios para assimilar os fundamentos da vida produtiva em geral: "Compreender o processo histórico de produção científica e tecnológica, bem como o desenvolvimento e a apropriação social desses conhecimentos para a transformação das condições naturais da vida e a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos".
Certamente não é desse tipo de inovação pedagógica, abstrata e retórica, que carecem as deficientes escolas públicas de ensino médio. Quando mestres, orientadores e diretores se encontram desorientados, sem saber mais nem como ministrar o básico do básico em aprendizado, não é hora de sobrecarregá-los com a responsabilidade adicional de adotar um currículo aberto e experimental. Com raras exceções, eles não se encontram preparados nem contam com instalações adequadas para preencher tal exigência.
Em princípio, o MEC não tem jurisdição sobre as redes públicas estaduais, às quais compete de modo precípuo o nível de ensino médio, portanto não pode impor-lhes a modificação. Não estaria em seus planos, ainda, a generalização da iniciativa, mas a adoção de currículos-piloto em uma centena de escolas. Seria imprudente subestimar, no entanto, sua capacidade de disseminar um modelo único pelo país, condicionando a liberação de verbas adicionais à aceitação dessa "assistência técnica".
Há indicações de que o MEC está a gestar um plano mais abrangente para o ensino médio, que de fato necessita uma revolução. Deveria, então, apresentá-lo como tal ao público, para que possa ser debatido em sua totalidade, e não por espasmos.
Folha de São Paulo, 05.05