Aluno que acerta menos questões pode ter mais pontos. É estranho, mas teoria matemática explica
Esqueça as comparações clichê do vestibular com maratonas ou corridas de obstáculos. O novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está mais para prova de salto em altura. Remodelado este ano para ser o grande vestibular nacional, ele tem como espinha dorsal a sigla TRI (Teoria da Resposta ao Item), conjunto de modelos matemáticos já usado em exames internacionais como o Pisa. Um efeito prático da TRI é que um candidato pode ter pontuação mais alta acertando menos questões que outro.
A explicação disso passa pela comparação com o salto. "Pus o sarrafo dez vezes. Um cara passou por ele dez vezes, o outro em oito. Quem é o melhor? Depende da altura do sarrafo", explica Reynaldo Fernandes, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enem. Em qualquer exame, há questões mais complicadas do que outras. A diferença com a TRI é que os itens mais difíceis valem mais pontos que os demais. "Todas as questões são pré-testadas para a gente calibrar esse grau de dificuldade", diz Fernandes.
Um desses pré-testes será feito em junho, com estudantes de ensino médio de 48 escolas. O Inep vai cruzar a performance desses alunos para avaliar o grau de dificuldade de um conjunto de questões. Depois de selecionar os itens que mais bem avaliam desempenhos, descartando os que têm enunciado ruim, por exemplo, os técnicos montam uma régua para determinar o peso de cada uma das questões.
Os candidatos não saberão, na prova, qual questão valerá mais pontos. O Inep vai agrupá-las em três conjuntos – fáceis, médias e difíceis -, distribuídos numa escala crescente. "O tratamento é igual para todos, ninguém será injustiçado", diz o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Heliton Ribeiro Tavares.
Outra consequência prática do uso da TRI é que o candidato não terá nota, mas pontuação. Mesmo que o gabarito indique 20 acertos num conjunto de 40 itens, isso não significa 50% de aproveitamento. Tudo por causa dos pesos diferentes de cada questão. "Haverá questões em que se cobrará mais de uma habilidade para ser resolvida", afirma o consultor pedagógico Carlos Piatto.
"Só um especialista consegue calcular a pontuação final do aluno", afirma Tavares, do Inep. Ele garante, porém, que, após os exames, previstos para o fim de semana de 3 e 4 de outubro, será divulgado tudo o que for necessário para os candidatos entenderem como foram avaliados: prova, gabaritos e parâmetros.
Assim como as questões estarão dispostas em uma escala de dificuldades, o desempenho dos alunos também será colocado em uma régua. "Quem estiver na posição 600, por exemplo, saberá exatamente quais conhecimentos domina e quais não domina em cada área", diz o consultor do Inep Dalton de Andrade, professor do Departamento de Informática e Estatística da Universidade Federal de Santa Catarina.
O novo Enem recorre a termos matemáticos, como eixos e matrizes, para definir essa nova proposta de vestibular. A prova será baseada em cinco eixos, comuns a todas as áreas de conhecimento: domínio de linguagens, compreensão de fenômenos, enfrentamento de situações-problema, construção de argumentos e elaboração de propostas de intervenção na sociedade.
"O Enem está baseado na estrutura de pensamento do aluno", diz a assessora especial da Secretaria de Educação paulista Maria Inês Fini, responsável pela elaboração do primeiro Enem, há 11 anos. De acordo com Maria Inês, a principal vantagem do novo exame é fazer uma varredura no conhecimento, com base nos princípios científicos e tecnológicos, para definir as habilidades de cada indivíduo.
A prova não se estrutura apenas em disciplinas. Cada eixo está diluído nas quatro matrizes que agrupam matérias tradicionais, como biologia e português: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Em cada matriz, há 30 habilidades, conhecimentos esperados de um estudante no fim do ensino médio. Essas habilidades e conteúdos foram descritos num documento recém-divulgado pelo Inep (confira a íntegra do texto em http://www.inep.gov.br/download/enem/2009/Enem2009_matriz.pdf).
Com o documento, o Inep atende a uma das razões para a remodelação do Enem: a necessidade de enxugar o currículo das escolas. Na preparação dos alunos para vestibulares cada vez mais abrangentes, elas ampliaram o programa do ensino médio. Na corrida para dominar tudo o que pode cair na prova, os estudantes deixaram de se concentrar em habilidades básicas. "Quero saber se o candidato é bom em salto em altura. Não me interessa se ele fez a preparação para a prova com musculação ou alongamento, por exemplo", compara Fernandes.
Outra vantagem do novo Enem para as escolas é a de permitir comparar o desempenho dos alunos ao longo do tempo. A TRI torna isso possível porque a régua que mede o grau de dificuldade das questões não varia de uma prova para outra. "A escola será desafiada", afirma Maria Inês.
Prazos
Embora especialistas elogiem o novo modelo da prova, o fato de valer já para 2009 provocou ansiedade e críticas de alunos e professores do ensino médio e de cursinhos. "É importante fazer alterações, mas no meio do ano é um crime contra o aluno. Estamos lidando com pessoas que mal sabem para qual curso vão prestar vestibular e ainda acrescentamos esse fator de estresse", critica Sylvia Gouveia Lourenço Castanho, ex-integrante do Conselho Nacional de Educação e diretora da Lourenço Castanho, escola da zona sul de São Paulo. Arthur Cardillo Afonso, de 19 anos, vestibulando de Engenharia Civil, concorda. "Sinto ansiedade e raiva. Fico pensando: por que não passei antes?"
Fernandes diz entender a ansiedade causada pelo novo Enem, mas tenta tranquilizar os candidatos. "Avaliações internacionais mostram que quem vai bem num tipo de vestibular costuma ir bem em outros modelos de exame. Entrar na universidade não vai ficar mais fácil ou difícil. O número de vagas continua o mesmo."
Nota antiga não vale: Apenas as notas do Enem deste ano serão válidas nos vestibulares das universidades federais. A proposta do Inep é que o resultado dessa nova prova possa contar pontos nos exames dos próximos três anos
Apuração final: A avaliação de cada prova ficará a cargo de dois corretores. Se a diferença entre as notas dos dois superar um intervalo previamente determinado, um terceiro corretor será convocado
Data de divulgação: Ainda está sendo definida. A proposta inicial do Inep é entregar as notas das questões, divididas em quatro grupos, no dia 4 de dezembro. O resultado da redação será divulgado apenas um mês depois dessa data.
Vaga online: O sistema será válido apenas para as universidades federais que adotarem o Enem como forma única de vestibular. Vai funcionar como um leilão de vagas online e estará disponível após a divulgação das notas finais dos candidatos.
Nota final: Será possível optar por cinco cursos na mesma universidade ou em instituições diferentes. Entre dois candidatos que concorrem a uma mesma vaga, levará a melhor aquele que tiver a nota mais alta, mesmo que seja sua última opção.
Carolina Stanisci, Elida Oliveira, Ana Bizzotto e Bruna Tiussu – O Estado de SP, 26/5