Registro de patentes pela academia quadruplicou depois de 2001
As grandes universidades ultrapassaram uma dezena de tradicionais empresas inovadoras e hoje são responsáveis pela maioria dos pedidos de patentes para novos produtos no Brasil. Entre 2001 e 2008, as maiores universidades protocolaram 1.359 solicitações junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), superando os 933 pedidos das dez empresas que mais inovam. O resultado contraria a percepção de que a academia não transforma conhecimento em produto.
Na década de 90, as empresas superavam as universidades por larga vantagem quando o assunto era inovação. Entre 1992 e 2000, as empresas brasileiras depositaram 1.029 patentes, contra 353 das universidades. Os dados fazem parte de um estudo da Prospectiva Consultoria ,que catalogou os pedidos de um grupo de dez empresas e dez universidades que mais inovam. O levantamento incluiu apenas as empresas de capital nacional.
Segundo Ricardo Sennes, diretor-executivo da Prospectiva, alguns fatores explicam a guinada das universidades em relação às empresas na inovação: o governo aumentou o volume de recursos destinado as universidades; um novo arcabouço jurídico permitiu que o pesquisador recebesse parte dos royalties pelo invento; e as universidades estão mais conscientes da importância das patentes e criaram núcleos especializados em auxiliar os pesquisadores no processo de solicitação.
"O conhecimento que se cria na academia não é facilmente transferido para a sociedade. Estamos tentando promover uma mudança cultural na universidade", disse José Aranha Varela, diretor da agência de inovação tecnológica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que foi criada em março de 2009, substituindo um núcleo da universidade sobre o assunto, fundado em 2007.
Varela contou que a Unesp possui hoje 88 pedidos em análise no Inpi – o que significa um aumento de um terço em relação aos 50 pedidos que existiam em 2007, quando o núcleo começou suas atividades. Ele disse que a universidade incrementou o trabalho nessa área incentivada pela lei de inovação e passou a oferecer aos pesquisadores 30% do que é arrecadado com as patentes.
Nas universidades, a maioria das patentes está na área de saúde: medicina, química, bioquímica, farmácia, ciências agrárias e outras áreas correlatas. E também há uma forte concentração no eixo Rio-São Paulo. "A área que mais cresce é farmácia, porque essas empresas realmente precisam das patentes para fazer valer seus investimentos. Também por isso procuram mais as universidades e querem os pesquisadores como parceiros", disse Maria Aparecida de Souza, diretora técnica de propriedade intelectual do Inovação da Universidade de São Paulo (USP).
Na USP, existe um grupo para cuidar do requerimento de patentes desde 1986, mas que só ganhou o status de agência em 2005, o que trouxe mais verba e estrutura. Para incentivar os pesquisadores, a maior universidade do Brasil oferece 50% de participação nos royalties. Os pedidos de patentes deram um salto na USP: 34 em 2006, 82 em 2007 e 76 no ano passado. De janeiro a maio de 2009, já foram registrados mais 15 pedidos.
Para Maria Aparecida, um importante fator de estímulo para o professor patentear sua pesquisa ocorreu quando as agências de fomento, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), passaram a considerar o número de patentes na hora de aprovar financiamentos. Antes, valiam pontos apenas a publicação de textos acadêmicos em revistas especializadas.
Os especialistas elogiam o atual arcabouço de leis no país para estimular a inovação, mas dizem que ainda há bastante a ser feito, principalmente para aproximar empresas e pesquisadores. Varela, da Unesp, critica o fato de as universidades públicas serem obrigadas a promover licitações para fechar contrato com uma empresa depois de patenteado o produto, mesmo que uma empresa específica esteja financiando a pesquisa desde o início. "No Brasil, os doutores estão dentro das universidades e não nas empresas", disse Maria Aparecida, da USP.
Os dados da Prospectiva apontam ainda que os pedidos de patentes das empresas são mais sensíveis às variações econômicas do que nas universidades, que se financiam com recursos públicos. Em média, as solicitações de patentes pelas empresas se mantêm estáveis ao longo tempo, mas há um pico em 1996 e em 2006, com quedas significativas entre 1998 e 2002, período que coincide com um fraco desempenho da economia brasileira, que desmotivou as empresas a investir em pesquisa.
No balanço geral de 1992 a 2008, as empresas ainda superam as universidades com 1.962 patentes depositadas no Inpi, contra 1.712. Na avaliação dos especialistas, o problema é que as empresas não deslancharam suas pesquisas, apesar dos benefícios tributários previstos na Lei de Inovação e na Lei do Bem. O desencanto com o processo de concessão de patentes pode ser um fator de desestímulo para as empresas. A pesquisa da Prospectiva apontou que o tempo médio de concessão de patentes é de 5,8 anos. Alguns pedidos chegaram a demorar 11 anos.
De acordo com Sennes, dois pontos chamam a atenção no ranking das empresas mais inovadoras: a amplitude de setores e a presença de multinacionais brasileiras. "Isso demonstra que presença global e investimento em pesquisa e tecnologia caminham juntos", disse. Entre as companhias, a principal área de inovação é a manufatura, com destaque para petróleo, metalurgia, máquinas e equipamentos.
A Petrobras aparece muito à frente como a empresa mais inovadora do país, com 1.113 pedidos de patentes no Inpi ao longo do tempo. A estatal também possui 194 patentes concedidas e 83 em análise nos Estados Unidos. Fazem parte do ranking de patentes empresas ligadas à venda de commodities, como Vale, Usiminas e CSN, mas também estão presentes a Grendene (calçados) e a Natura (cosméticos). Nos últimos dois casos, o medo da pirataria, principalmente procedente da Ásia, pode ser um fator decisivo para investir em patentes.
O estudo da Prospectiva aponta uma queda abrupta do registro de patentes do país em 2007 e 2008, mas os autores ressaltam que esses dados ainda são preliminares para serem considerados uma tendência, porque, segundo eles, as estatísticas do Inpi são divulgadas com atraso.
Raquel Landim – Valor Econômico, 12/6