Avaliação educacional em risco, artigo de João Batista Araujo e Oliveira

A avaliação educacional conduzida pelo governo federal e por alguns Estados é um dos poucos aspectos em que a educação brasileira se encontra em níveis comparáveis aos dos países desenvolvidos. Mas essa "conquista" está em risco diante de fatos recentes.

Para entender o risco, é preciso separar, antes de mais nada, os diferentes incidentes e suas causas. Trapalhadas, como as do Enem, são em parte fruto de açodamento de contratantes e contratados. Mas não sugerem má-fé. De certo modo, o mesmo ocorreu com a divulgação de alguns testes do Enade, dos cursos superiores. Os recentes episódios com a avaliação estadual paulista também se enquadram aí. São ocorrências lamentáveis, que as autoridades rapidamente tentaram sanar. Como fatos isolados, não colocam em perigo a avaliação. E revelam que, quando o governo quer agir rápido, tem êxito.

O cerne da questão está na substância, caso das distorções no conteúdo das provas do Enade. Como a própria mídia noticiou, houve uma ideologização de tal ordem que só a defunta velhinha de Taubaté poderia ignorar.

As autoridades poderiam até lavar as mãos e dizer, em nome de uma suposta autonomia e isenção, que o problema é dos autores das provas. Mas só à saudosa moradora de Taubaté não ocorreria perguntar: mas quem escolhe os autores? E quem faz o controle dos processos?

Distorções em questões de testes não constituem um problema inteiramente novo. O que surpreende é a natureza e a dimensão das distorções. De forma recorrente, nos últimos anos, os exames dos cursos de pedagogia apontam forte viés ideológico, tanto nos conteúdos quanto no direcionamento das respostas "corretas".

É uma falha grave, mas, infelizmente, sem consequências, porque as autoridades sabem que as fragilidades desses cursos vão muito além dessa questão. O mesmo se repete na chamada Provinha Brasil, que não resiste a uma análise psicométrica minimamente rigorosa.

Isso é terrível, mas sabemos que o Brasil ainda não se deu conta da importância de alfabetizar as crianças no primeiro ano nem se preocupa em saber que existem maneiras eficazes de conseguir isso. Não adianta avaliar -nem bem nem mal- quando não se quer corrigir.

Mas agora é diferente. Estamos ante uma forma de ideologização ligada à interpretação de políticas governamentais em curso e de assuntos diretamente vinculados às pautas eleitorais. Isso é bem mais grave do que as graves distorções apontadas em recente avaliação para ingresso de economistas no Ipea, situação rápida e devidamente apontada, mas, em seguida, varrida para debaixo do tapete.

Antes de se peronizar, o país pode correr o risco de se cubanizar -no que Cuba tem de pior, que é o monopólio governamental da verdade e a doutrinação ideológica nas escolas.

Ainda é tempo de corrigir o erro. Se mantido, irá manchar uma gestão que primou pela humildade em reconhecer os avanços do governo anterior nessa área e que, após vacilos no primeiro mandato de Lula, soube valorizar e fazer avançar a avaliação.

Foram os resultados das avaliações que levaram o ministro Haddad a se recusar a tapar o sol com a peneira e a reconhecer, pela primeira vez na história do MEC, que nosso ensino fundamental estava muito mal.

O governo se encontra diante de uma importante decisão. Cabe reconhecer o erro tanto na substância quanto no processo de escolha de pessoas e nos critérios de revisão dos conteúdos, já que também nisso se mostraram incapazes de detectar ou de impedir esse tipo de distorção.

A única medida aceitável é o reconhecimento do erro, a anulação das provas e a mudança na sistemática que hoje permite que isso ocorra.

A Prova Brasil está próxima. Seus resultados têm sido estáveis nos vários anos de aplicação. Sua maior visibilidade, com a introdução do Ideb, transformou essa prova em algo mais sensível do ponto de vista político.

Para preservar as conquistas dos últimos anos, o governo deverá desdobrar-se para evitar que a Prova Brasil seja contaminada pela ideologização, o que poderia manchar a imagem e as realizações de um dos ministros mais ilustres que a educação já teve.
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JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA , 62, psicólogo, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto. Foi secretário-executivo do Ministério da Educação (1995).

Folha de São Paulo, 19/11