A sociedade brasileira parece ainda não ter-se dado conta da verdadeira crise de audiência que vem afetando nosso ensino médio, com previsíveis consequências para o desenvolvimento sustentável do país. Trata-se de uma verdadeira bomba-relógio.
Para entendermos a gravidade da situação, o primeiro fato a encarar é o de que vivemos em uma sociedade do conhecimento, que exige, como passaporte mínimo para que os jovens sejam inseridos no mercado de trabalho, o diploma do ensino médio.
Também para os países, a vantagem competitiva passa a ser esse nível de escolaridade de sua população. Entretanto, a média brasileira de anos de estudo ainda é de sete anos e apenas 16% da população economicamente ativa concluiu o ensino médio.
Sem dúvida, isso é fruto de um processo histórico, mas, se os dados atuais fossem animadores, poderíamos prever boas perspectivas para o futuro. Infelizmente, é justamente aí que se processa a montagem da bomba-relógio.
O ensino médio no Brasil sofre de males seríssimos. Há problemas de cobertura, modalidade de currículo e forma de atendimento, com graves reflexos no fluxo e no desempenho dos alunos. Em termos de cobertura, menos da metade daqueles que deveriam estar nesse nível pode ser aí encontrada.
Parte ainda está no fundamental e quase 20% estão fora da escola. O mais grave é que, na faixa de 18 a 24 anos, 68% estão nessa situação.
Quanto ao currículo, observa-se que menos de 10% dos alunos cursam o ensino profissionalizante. Ou seja, mais de 90% dos jovens estão sendo “preparados” para uma universidade na qual a maioria não pisará.
O dado mais incompreensível é o turno em que o ensino médio regular é ofertado. Mais de 40% dos alunos estudam à noite, inclusive nos Estados mais ricos, quando apenas 17% conjugam escola com trabalho. A soma desses fatores está por trás de uma verdadeira sangria, responsável pela perda de metade de nossos alunos (entram 3,6 milhões e concluem 1,8 milhão).
Estamos perdendo esses jovens para o desemprego, para a reprodução da pobreza (22% dos mais pobres já têm filhos) e para a violência. Dos que concluem, apenas 9% (em matemática) e 24% (em português) apresentam um desempenho considerado adequado.
Em face dessa situação, cabe a pergunta: quem é o responsável pela oferta do ensino médio? De fato, 86% das matrículas estão nos sistemas estaduais, cujos governantes serão eleitos neste ano.
O voto de cada um de nós deveria estar condicionado a propostas dos candidatos sobre como pretendem enfrentar tais problemas.
Seria necessário um compromisso com metas claramente definidas, tais como universalizar o acesso e a permanência dos jovens entre 15 e 17 anos, melhorar o desempenho e diminuir o abandono, aumentar a autonomia das escolas, promover maior estabilidade das equipes de direção e flexibilizar os currículos, mas definindo mínimos para cada série.
Outras metas possíveis são aumentar o ensino profissionalizante, criar formas de articulação entre educação e trabalho, concentrar o ensino médio regular nos turnos diurno e vespertino, reservando o noturno apenas para a EJA (Educação de Jovens e Adultos, a partir de 18 anos), e criar sistemas de incentivos baseados em resultados.
Além disso, os candidatos poderiam definir as metas de usar os resultados de avaliações como instrumento pedagógico e de contribuir para mudanças na formação de professores.
Os candidatos poderiam assumir essas ou outras propostas, mas deveriam explicitar seu forte compromisso com a melhoria do ensino médio, sem o que não mereceriam nosso voto.
WANDA ENGEL ADUAN, 65, doutora em educação pela PUC-RJ, é superintendente-executiva do Instituto Unibanco
Folha de São Paulo, 29/06